BUSCA E DETECÇÃO DA
TOPOLOGIA DO UNIVERSO
M.J. Rebouças*
Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas,
Rua
Dr. Xavier Sigaud 150
22290-180
Rio de Janeiro - RJ, Brazil
1. Resumo
No
contexto da cosmologia padrão o universo é descrito localmente por uma métrica
de Robertson-Walker (RW)
|
(1) |
onde
t é o tempo cósmico f(c)
= c,
sinc,
ou sinhc,
dependendo do sinal da curvatura espacial k
= 0, +1, -1,
e R(t) é o fator de escala. Contudo, é sabido que uma métrica de RW não
especifica ou fixa uma variedade espaço-tempo M4 = R ´
M.
Na
abordagem tradicional da cosmologia o 3-espaço M é tomado como sendo um dos seguintes espaços simplesmente
conexos: Euclidiano R3, esférico S3,
ou hiperbólico H3,
conforme k = 0, +1, -1.
No entanto, como a conectividade (simples ou múltipla) do 3-espaço M não foi estabelecida através de
observações, o 3-espaço cósmico pode também ser qualquer uma das possíveis
variedades quocientes multiplamente conexas , onde G é um grupo discreto de isometrias do espaço de
cobertura
que atua de forma
livre (não deixa pontos fixos) sobre
. A ação de G tessela (ladrilha) o espaço de cobertura
em células ou
domínios, que são cópias do que se denomina poliedro fundamental (PF). Um PF
juntamente com o conjunto completo de identifcações de suas faces se constitui
em uma representação da variedade M.
Considere,
por exemplo, os espaços-tempos correspondentes aos modelos de
Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker (FLRW), com geometria plana na seção M (t
= const) da variedade espaço-tempo M4.
Além do R3 há 17 classes de topologias distintas (multiplamente
conexas) que podemos atribuir a M3. Mesmo se nos restringirmos às
variedades orientáveis e compactas ainda assim teremos 6 classes de variedades
tridimensionais M3 topologicamente distintas, que podem ser dotadas
(globalmente) da geometria plana k =
0; e infinitas tri-variedades distintas compatíveis com as geométrias esférica
e hiperbólica (k = ±1).
Questões
tais como se o universo em que vivemos é finito ou infinito, e qual sua forma
seu tamanho, são de natureza topológica; e estão entre as questões fundamentais
que a cosmologia moderna busca responder. Estas questões estão além do escopo
da relatividade geral (RG), visto que como uma teoria métrica a RG deixa a
topologia (global) de nosso universo indeterminada.
Admitindo-se
que a topologia do universo é determinada pelo seu conteúdo energético-material
(conforme prescreve a RG), não obstante nossa incapacidade de a prevermos, sua detecção e determinação é
em última instância um problema observacional (no contexto de uma abordagem
teórica).
O
processo de detecção e determinação da topologia cósmica não-trivial possui
dois importantes aspectos. Um de natureza geométrico-topológica que, conforme
delineamos acima, nasce da abundância de possibilidades de topologias
não-triviais associadas a cada uma das classes de geometrias (k = 0, ±1)
dos modelos de FLRW. O outro, tem origem na multiconectividade destas
topologias, e possibilita em princípio observarmos múltiplas imagens de objetos
cósmicos; ou repetição periódica de padrões nas anisotropias ou na polarização
da radiação cósmica de fundo (RCF). Estas repetições periódicas estarão
correlacionadas, e as correlações são necessariamente de origem topológica.
A
identificação direta de imagens múltiplas de um objeto cósmico possui muitos
problemas práticos, dentre os quais mencionamos:
1. Duas
imagens do mesmo objeto a diferentes distâncias correspondem a distintos
estágios de sua evolução, podendo tornar a identificação direta de imagens
múltiplas impossível sem algum modelo adequado da evolução do tipo de objeto em
consideração;
2. Duas
imagens do mesmo objeto são observadas segundo orientações diferentes, o que,
em geral, dificulta enormemente seu reconhecimento devido a efeitos
morfológicos;
3. Limitações
observacionais outras como, por exemplo, ocultação devida à linha de visão, ou
perda de registro da imagem por fraca luminosidade (aparente), podem também
impedir a observação de cópias de uma mesma fonte.
Uma
maneira de contornar estas e outras dificuldades é fazer uso de métodos estatísticos para tentar
determinar as correlações nas posições das imagens que surgem devido a uma
possível topologia não-trivial. Nas abordagens estatísticas as imagens e fontes
de uma dada classe de objetos cósmicos (aglomerados, quasares, por exemplo) são
tratados indistintamente, não importando quem é imagem de quem.
O
principal objetivo das abordagens estatísticas à topologia cósmica com fontes
discretas é o desenvolvimento de métodos que revelem as correlações de posições
de origem topológica. Estas correlações de posições dão origem a correlações de
distâncias entre pares de imagens (fontes). Discutiremos os métodos
estatísticos mais importantes e suas limitações (veja, por exemplo, refs.
[1]-[3]):
i. O
método originalmente denominado de cristalografia cósmica, que se utiliza de
histograma de separação de pares (pair saparations histograms - PSH) na
tentativa de revelar as correlações nas posições das imagens [4];
ii. O
método conhecido como coleta de pares correlacionados (collecting-correlated-pair
(CCP) method) [5].
A
combinação de observações astrofísicas e cosmológicas independentes parece
indicar que vivemos em um universo do tipo FLRW que se expande de forma
acelerada, com seções espaciais quase
planas (W0
~
1), e cujo conteúdo energético-material é constituído de ~
30% de matéria escura, cerca de ~
70% de energia escura, e de uma pequena percentagem de matéria bariônica (veja,
por exemplo, as referências [6]- [11]).
Motivados
por estas observações e análises, mostramos, em dois trabalhos recentes
[12,13], que a tarefa de detecção de uma possível topologia não-trivial de
universos quase planos (W0
~
1) através de repetição de padrões ou images múltiplas se torna cada vez mais
difícil à medida que a densidade total Wm0
+ WL0
= W0
®
1, isto é, um número cada vez maior de topologias se tornam não-detectáveis
conforme o valor atual da densidade W0
se aproxima da unidade.
As
estimativas observacionais dos parâmetros de densidades Wm0
WL0
e W0
envolvem inevitavelmente barras de erros. Desta forma, um importante
ingrediente na questão da detectabilidade da topologia cósmica são a incertezas
que se originam naturalmente no processo de medida (e análise) destes
parâmetros de densidade. Discutiremos com um certo nível de detalhe o exame que
fizemos recentemente [14] da sensibilidade na detecção da topologia do universo
às incertezas inerentes às observações, onde mostramos concretamente que uma
mudança da ordem de alguns por cento nos valores dos parâmetros de densidades
cosmológica é suficiente para mudar de forma considerável o quadro de
detectabilidade da topologia de universos "pequenos". Este trabalho
motivou um recente trabalho do J. Weeks [15], que também discutiremos e cujo
principal resultado é mostrar qual a probabilidade de um observador colocado
aleatoriamente em um universo hiperbólico (e quase plano) detectar a topologia
do universo.
Finalmente
discutiremos o resultado principal de um recente trabalho de Weeks e
colaboradores [16] onde detectabilidade da topologia de universos esféricos
quase planos é investigada à luz das observações recentes que indicam que W0
~
1. O mais importante resultado deste trabalho é que usando um método de
detecção da topologia baseado nas observações da radiação cósmica de fundo
(circles-in-the-sky method) a topologia de universos esféricos (com W0
~
1) não pode ser em geral ser determinada,
uma vez que tipicamente apenas um subgrupo cíclico do grupo de cobertura
(isomorfo ao grupo fundamental) poderia ser revelado. Este resultado, por um
lado, coloca a questão da decidibilidade
da topologia através de imagens múltiplas de objetos cósmicos ou repetição
periódica de padrões nas anisotropias da RCF; por outro lado motiva o
desenvolvimento de novas estratégias para determinação da topologia do universo.
Nesta direção veja os artigos [17] - [22].
Referências
[1] G.F.R.
Ellis, Gen. Rel. Grav. 2, 7
(1971);
D.D. Sokolov & V.F. Shvartsman, Sov. Phys. JETP 39, 196 (1974);
G.F.R. Ellis & G. Schreiber, Phys.Lett.A 115, 97 (1986);
R. Lehoucq, M. Lachièeze-Rey & J.-P.
Luminet, Astron. Astrophys. 313, 339 (1996);
B.F. Roukema, Mon. Not. R. Astron. Soc. 283,
1147 (1996);
H.V. Fagundes, & E. Gausmann,
astro-ph/9811368 (1998);
R. Lehoucq, J.-P. Luminet & J.-P.
Uzan, Astron. Astrophys. 344, 735 (1999);
J.-P. Uzan, R. Lehoucq & J.-P.
Luminet, Astron. Astrophys. 351, 776 (1999);
H.V. Fagundes & E. Gausmann, Phys. Lett. A 261, 235 (1999);
R. Lehoucq, J.-P Uzan & J.-P Luminet,
Astron. Astrophys 363, 1 (2000);
G.I.
Gomero, M.J. Rebouças & A.F.F. Teixeira, Phys. Lett. A 275, 355
(2000);
G.I.
Gomero, M.J. Rebouças & A.F.F. Teixeira, Int. J. Mod. Phys. D 9,
687 (2000);
G.I.
Gomero, M.J. Rebouças & A.F.F. Teixeira, Class. Quantum Grav. 18,
1885 (2001);
M.J.
Rebouças, Int. J. Mod. Phys. D 9, 561 (2000);
E. Gausmann, R. Lehoucq, J-P Luminet, J-P
Uzan & J. Weeks, Class. Quantum Grav.
18, 5155 (2001);
G.I.
Gomero, A.F.F. Teixeira, M.J. Rebouças & A. Bernui, Int. J. Mod. Phys. D 11,
869 (2002).
G.I.
Gomero & M.J. Rebouças, gr-qc/0202094, submitted (2002).
[2] J.J. Levin, Phys. Rep. 365, 251
(2002);
V. Blanloeil & B.F. Roukema, Eds.,
astro-ph/0010170 (2000);
G.D. Starkman, Class. Quantum
Grav. 15,
2529 (1998);
M.
Lachièze-Rey & J.-P. Luminet, Phys. Rep. 254, 135
(1995).
[3] Ya. B. Zeldovich & I.D. Novikov, The Structure and Evolution of the Universe,
p.633-640. The University of Chicago Press (1983).
[4] R. Lehoucq, M. Lachièse-Rey & J.-P Luminet,
Astron. Astrophys 313, 339 (1996).
[5] J.-P. Uzan, R. Lehoucq & J.-P. Luminet, Astron. Astrophys. 351, 776 (1999).
[6] P.
de Bernadis et al., Nature 404, 955 (2000);
S. Hanany et al.,
Astrophys. J. Lett. 545, 5 (2000);
A.E. Lange et al., Phys. Rev. D
63, 042001 (2001);
P.
de Bernardis et al., astro-ph/0011469
(2000);
J.R. Bond et al.,
astro-ph/0011381 (2000);
J.R. Bond et al., astro-ph/0011379 (2000);
J.R. Bond et al., astro-ph/0011378 (2000);
A. Balbi et al., Astrophys. J. 545, L1 (2000).
[7] A.H. Jaffe et
al., Phys. Rev. Lett. 86, 3475 (2001).
[8] J. P. Ostriker-Steinhardt95 J. P. Ostriker
& P. J. Steinhardt, Nature 377, 600 (1995).
[9] B.P. Schmidt et al., Astrophys. J 507 46 (1998); A.G. Riess et al. Astron. J. 116, 1009
(1998).
[10] B.F. Roukema, G.A. Mamon & S. Bajtlik, Astron. Astrophys. 382, 397 (2002).
[11] S. Perlmutter et al., Astrophys. J. 517, 565 (1999);
S. Perlmutter, M.S. Turner & M.
Write, Phys. Rev. Lett. 83, 670 (1999).
[12] G.I. Gomero, M.J. Rebouças & R. Tavakol,
Class. Quantum Grav.
18, 4461 (2001).
[13] G.I.
Gomero, M.J. Rebouças & R. Tavakol, Class.
Quantum Grav. 18, L145 (2001).
[14] G.I.
Gomero, M.J. Rebouças & R. Tavakol, Int.
J. Mod. Phys. A
29, 4261 (2002).
[15] J.R. Weeks, Detecting Topology in a Nearly Flat Hyperbolic Universe, Int. J. Mod. Phys. A, in press (2002).
[16] J.R. Weeks, R. Lehoucq, J-P Uzan, Detecting Topologies in a Nearly Flat
Spherical Universe, astro-ph/0209389 (2002).
[17] D. Muller, H.V. Fagundes & R. Opher, Phys. Rev. D
63, 123508 (2001).
[18] D. Muller, H.V. Fagundes & R. Opher Phys. Rev. D
66, 083507 (2002).
[19] G.I.
Gomero, M.J. Rebouças, A.F.F. Teixeira & A. Bernui, Int. J. Mod. Phys. A 15,
4141 (2000).
[20] M.J.
Rebouças, R. Tavakol & A.F.F. Teixeira, Gen.
Rel. Grav. 30, 535 (1998).
[21] A.
Bernui, G.I. Gomero, M.J. Rebouças & A.F.F. Teixeira, Phys. Rev. D 57, 4699
(1998).
[22] W.
Oliveira, M.J. Rebouças & A.F.F. Teixeira, Phys. Lett. A
188, 125 (1994).
GRADIENT PATTERN ANALYSIS OF TOPOLOGICAL
DEFORMATIONS IN DYNAMICAL MANIFOLDS
Cristiane P. Camilo, Reinaldo R. Rosa, N. Vijaykumar,
Fernando M. Ramos(1)
and Marcelo Rebouças(2)
(1) INPE
(2) CBPF
Characterization of local
response due to topological deformation in extended dynamical manifolds is a
key problem to understand the role of geometrical singularities to the global
stability of the manifold during its spatio-temporal evolution. Here, we
present a 2D single extended dynamical manifold based on the Laplacian of a
scalar function on a triangulated surface. This surface is divided in two
regions: (a) where a local deformation occurs and (b) where the effect of this
deformation reaches. The application of the Gradient Pattern Analysis on these
regions under different deformations shows that the topological deformation is
undetectable if the local asymmetry is Less than a critical value depending on
the manifold extension. We also discuss the deformation detectability in
hyperbolic manifolds and its application for direct recognition of multiple
images in cosmological topologies.
CONSTRAINTS ON DETECTABILITY
OF COSMIC TOPOLOGY
WITH RESPECT TO OBSERVATIONAL UNCERTAINTIES
B. Mota, M. Reboucas, A. Teixeira
Centro
Brasileiro de Pesquisas Fisicas
R. Tavakol
Queen Mary College,
University of London
Recent observational results
indicate that the universe is nearly flat, and fits well a model with a matter
component plus a cosmological constant. Motivated by this, we study the
(un)detectability of the cosmic topology in such case. For values consistent
with observational constraints it can be shown that certain topologies become
undetectable. We analyse quantitively the sensitivity of such undetectabiliy
with respect to the cosmological density parameters. The undetectability is
very sensitive to small changes in the vicinity of the currently accepted
values for the density parameters. This analysis can be applied to a given
nearly flat 3-manifold to establish simple criteria in terms of the density
parameters for which it is no longer detectable.