II WORKSHOP :NOVA FÍSICA NO ESPAÇO

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Luís Raul Weber Abramo

 

PERTURBAÇÕES COSMOLÓGICAS E
FORMAÇÃO DE ESTRUTURAS EM MODELOS DE ENERGIA ESCURA

 

Luís Raul Weber Abramo

Departamento de Física Matemática

Instituto de Física - Universidade de São Paulo

 

1. Introdução

Recentemente, a cosmologia teórica tem sido dominada pela questão da "energia escura", ou "quintessência". Essa nova incógnita da composição do universo tem sido fortemente sugerida por uma série de observações astronômicas, das quais as mais relevantes talvez sejam a relação magnitude-redshift de supernovas em altos redshifts [1] e a radiação cósmica de fundo em microondas [2, 3], mas que também incluem a fração de bárions em aglomerados de galáxias, o número de aglomerados em função do desvio para o vermelho, a dinâmica das galáxias, além de várias outras evidências indiretas [4, 5, 6]. Todas essas observações, e o fato de que elas se mostram inteiramente consistentes [7, 8, 9, 10] indicam que a matéria aglomerativa (bárions mais matéria escura) soma não mais do que 30% ± 10% da energia crítica do universo. Ou seja, se a densidade de energia total do universo é igual à densidade crítica, então em torno de 70% dessa energia está numa forma "escura" que não afeta a dinâmica de galáxias e de aglomerados de galáxias.

Os argumentos a favor de uma componente de energia escura se tornaram ainda mais persuasivos com as últimas observações da radiação cósmica de fundo em microondas (RCF) [2]. A localização do pico do espectro das anisotropias da RCF, medido com uma precisão melhor do que 10%, implica que a geometria do universo é aproximadamente plana [8]. Ou seja, existem três conjuntos de observações independentes que, combinados, constituem forte evidência da existência de energia escura: primeiro, as observações de galáxias e aglomerados indicam que a matéria escura mais a matéria bariônica só respondem por 40% ou menos da densidade de energia crítica; segundo, as SNIa indicam que mais de 50% da densidade de energia é "escura"; e terceiro, as anisotropias da RCF indicam que a densidade de energia total é aproximadamente igual à densidade crítica. Essas observações implicam portanto que a densidade total do universo é quase idêntica à densidade crítica,  [3], onde um terço da densidade de energia corresponde a matéria normal ou escura, e dois terços correspondem a energia escura. A questão é: o que é essa energia escura?

A candidata mais tradicional para o posto de energia escura é a constante cosmológica, ou energia de vácuo. Uma constante cosmológica L, cuja pressão  causa a aceleração da expansão do universo, poderia dar conta dos 70% da densidade de energia faltantes, sem interferir com a formação de galáxias ¾ já que se trata de uma constante cosmológica, ela não possui nem induz inomogeneidades nos outros campos de matéria.

Vários outros candidatos a energia escura têm sido propostos, para aliviar alguns dos problemas fenomenológicos que o cenário com constante cosmológica acarreta. Esse modelos geralmente são encarnados na forma de um campo escalar com energia cinética canônica [11, 12, 13, 14, 15, 16] ou não [17, 18]. A característica básica desses modelos de energia escura é a pressão negativa, que, pelas equações da relatividade geral, causa a aceleração da taxa de expansão do Universo.

Uma segunda característica da qual participam a maioria desses modelos é que as perturbações do campo escalar da energia escura são suprimidas em escalas inferiores ao horizonte de Hubble H-1, de modo que a existência do campo escalar não afeta dramaticamente o processo de formação de galáxias [11, 15, 19].

Uma fascinante possibilidade é que o campo escalar de energia escura seja também o responsável pela matéria escura. Para que isso ocorra, o campo responsável pela energia escura deve ser homogêneo e com pressão efetiva negativa em largas escalas, mas inomogêneo e com pressão efetiva zero em pequenas escalas. Em outras palavras, a "velocidade do som" das perturbações desse campo deve depender da escala das perturbações. Essa possibilidade existe em alguns modelos não-canônicos, tais como os modelos de K-essência [17] e de Táquions [18]. Uma realização simplificada desses modelos talvez seja dada pelo modelo conhecido como "Gás de Chaplygin" [22], para o qual a equação de estado é inversamente proporcional à densidade de energia. Se alguma dessas possibilidades se concretizar, será um formidável avanço para a cosmologia, explicando de uma só vez dois dos mais misteriosos fenômenos observados no universo -- a massa invisível, que afeta a física em pequenas escalas, e a energia escura, que afeta a dinâmica do universo em suas maiores escalas.

 

2. Perturbações cosmológicas

A fenomenologia da energia escura é realisada de dois modos: o primeiro, mais imediato, estuda o impacto da energia escura na lei de expansão do universo. Esse aspecto se manifesta mais claramente, em termos dos observáveis astrofísicos, sobre a relação magnitude-redshift e sobre a radiação cósmica de fundo (RCF) através do efeito Sachs-Wolfe integrado (ISW)[1]. A relação magnitude-redshift pode ser medida diretamente apenas para redshifts muito pequenos (z < 2); portanto, é um teste observacional da energia escura em tempos relativamente recentes, podendo determinar a "equação de estado" w = p/r da componente escura com boa precisão na era atual. Já o efeito ISW sobre a RCF é mais sensível aos redshifts mais altos. A informação concreta contida na RCF que é devida ao efeito ISW não é tão precisa quanto ao valor da equação de estado, pois ela depende de toda a história de evolução do universo entre z = 1100 e z = 0.

Um terceiro modo pelo qual se pode estudar modelos de energia escura é através do impacto de suas perturbações [26, 27, 28] na formação de aglomerados de galáxias e outras estruturas [19, 20] e na formação da RCF [23, 24, 21].

Evidentemente, a informação devida às perturbações na RCF vem misturada com o efeito ISW (que se deve às alterações no background cosmológico). Apesar da delicadeza do efeito sobre a RCF, ainda é possível extrair alguma informação dela. A Fig. 1 apresenta as anisotropias na RCF em três modelos cosmológicos com algum tipo de energia escura, além da matéria escura fria: LCDM (L + CDM), o modelo de Ratra-Peebles [11] e o modelo de Albrecht-Skordis [25].

 

Text Box: l(l+1)C/2
 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 1: Anisotropias da radiação cósmica de fundo em três cenários de energia escura: LCDM, o modelo de Ratra-Peebles e o modelo de Albrecht-Skordis.

Já a estrutura em larga escala visível do universo pode ou não conter informação a respeito da energia escura. Isso porquê a energia escura, por sua pressão negativa, em geral não se associa à matéria escura fria e aos bárions em aglomerados. Porém, em alguns modelos isso pode ser possível. Se a energia escura e a matéria escura forem uma coisa só, ou seja, se o mesmo campo que causa a expansão do universo em largas escalas for o responsável por o que chamamos de matéria escura fria, então isso significa que em larguíssimas escalas esse campo se comporta como uma constante cosmológica (ou outro fluido com equação de estado w < -2/3), mas em escalas menores, esse campo tem pressão aproximadamente zero e portanto se comporta como matéria não-relativística. A velocidade do som dessa matéria, portanto, depende da escala de algum modo. Um modelo concreto que realisa esse ideal é o Gás de Chaplygin Generalizado e o "rolling tachyon" [22, 18].

Se modelos com equação de estado e velocidade do som dependentes da escala são viáveis ou não, ainda é uma questão em aberto [20, 21]. O principal entrave na fenomenologia desses modelos parece ser o fato de que nesses cenários o regime não-linear é muito mais importante do que em modelos com CDM. A dura tarefa de estudá-los ainda precisa ser feita.

 

 

Referências

[1] S. Perlmutter et al, Nature 391: 51 (1998); A. Riess et al., Astron. J. 116: 1009 (1998).

[2] P. de Bernardis et al., Nature 404: 955 (2000); Boomerang Collaboration [C. Netterfield et al.], Astrophys. J. 571: 604 (2002); S. Hanany et al., Astrophys. J. 545: 5 (2000); C. Pryke et al., Astrophys. J. 568: 46 (2002); T. Pearson et al., astro-ph/0205388 .

[3] J. Sievers et al., astro-ph/0205387.

[4] S. White and M. Rees, Mon. Not. R. Astron. Soc. 183:311 (1978); C. Frenk, S. White and M. Davis, Nature 317: 595 (1985); 2dFGRS Team (Will J. Percival et al.), astro-ph/0206256.

[5] J. Ostriker and P. Steinhardt, Nature 377: 600 (1995).

[6] N. Bahcall, J. Ostriker, S. Perlmutter and P. Steinhardt, Science 284: 1481 (1999); L. Wang, R. Caldwell, J. Ostriker and P. Steinhardt, Astrophys. J. 530: 17 (2000).

[7] I. Waga and J. Friemann, Phys. Rev. D62: 043521 (2000); A. Balbi et al., Astrophys. J. 547: L89-L92 (2001).

[8] A. Jaffe et al., Phys. Rev. Lett. 86: 3475-3479 (2001).

[9] J. Frieman et al., astro-ph/0208100.

[10] P. Schuecker et al., astro-ph/0211480.

[11] B. Ratra. and P. J. Peebles, Phys. Rev. D37: 3406 (1988)

[12] Frieman, C. Hill, A. Stebbins and I. Waga, Phys. Rev. Lett. 75: 2077 (1995).

[13] C. Wetterich, Astron. Astrophys. 301: 321 (1995).

[14] V. Silveira and I. Waga, Phys. Rev. D56: 4625 (1997).

[15] R. Caldwell, R. Dave and P. Steinhardt, Phys. Rev. Lett. 80:1582 (1998).

[16] I. Zlatev, L. Wang and P. Steinhardt, Phys. Rev. Lett. 82: 896, 1999; P. Steinhardt, L. Wang and I. Zlatev, Phys. Rev. D59: 123504 (1999).

[17] C. Armendariz-Picón, V. Mukhanov and P. Steinhardt, Phys. Rev. Lett. 85: 4438 (2000).

[18] A. Sen, JHEP 0204: 048 (2002); G. Gibbons Phys. Lett. B537: 1 (2002); T. Padmanabhan Phys. Rev. D66: 021301 (2002); A. Frolov, L. Kofman, A. Starobinsky, hep-th/0204187; G. Shiu, I. Wasserman, hep-th/0205003.

[19] T. Matsubara and A. Szalay, astro-ph/0208087.

[20] H. Sandvik, M. Tegmark, M. Zaldarriaga and I. Waga, astro-ph/0212114.

[21] D. Caturan and F. Finelli, astro-ph/0211626

[22] A. Kamenshchik, U. Moschella and V. Pasquier Phys. Lett. B487: 7 (2000); N. Ogawa Phys. Rev. D62: 085023 (2000); N. Bilic, G. Tupper and R. Viollier, Phys. Lett. B535: 17 (2002); M. Bento, O. Bertolami and A. Sen, Phys. Rev. D66: 043507 (2002); M. Makler, S. Oliveira and I. Waga, astro-ph/0209486.

[23] L. R. Abramo and F. Finelli, Phys. Rev. D64: 083513 (2001).

[24] C. Baccigalupi et al., Phys. Rev. D65: 063520; F. Perrotta and C. Baccigalupi, Phys. Rev. D59: 12385 (1999).

[25] A. Albrecht and C. Skordis, Phys. Rev. Lett. 84: 2076 (2000).

[26] V. Mukhanov, H. Feldman and R. Brandenberger, Rev. Mod. Phys. 215: 203 (1992).

[27] T. Padmanabhan, "Structure formation in the universe" (Cambridge University Press, New York 1993).

[28] P. Coles and F. Lucchin, "Cosmology: the origin and evolution of cosmic structure" (John Wiley, New York 1995).

[29] J. Peebles, "Principles of Physical Cosmology" (Princeton University Press, Princeton 1993).

[30] T. Padmanabhan and T. Roy Choudhury Phys. Rev. D66: 081301, (2002); J. S. Bagla, H. K. Jassal and T. Padmanabhan, astro-ph/0212198; M. C. Bento, O. Bertolami and A. A. Sen., astro-ph/0210375; Phys. Rev. D66:043507 (2002).

 

 



[1] O efeito ISW é devido aos potenciais gravitacionais experimentados pelos fótons entre a superfície de último espalhamento em z 1100 e sua observação hoje z = 0.