II WORKSHOP :NOVA FÍSICA NO ESPAÇO

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João Braga

 

EXPLOSÕES CÓSMICAS DE RAIOS GAMA:
OBSERVAÇÕES RECENTES E NOVOS MODELOS

 

João Braga

DAS/INPE

 

Resumo: A fenomenologia das explosões ou erupções (''bursts'') cósmicas de raios gama é revista à luz dos resultados observacionais recentes. Resultados obtidos pelo satélite ``High Energy Transient Explorer'' (HETE) têm dado suporte aos modelos nos quais as ECRGs são produzidas durante a expansão relativística colimada oriunda da acresção súbita de um toróide de matéria por um buraco negro massivo, por sua vez produzido pelo colapso gravitacional e explosão subseqüente de uma estrela de grande massa. A abordagem dessa palestra é fenomenológica, com ênfase na interpretação das curvas de luz e características espectrais dos GRBs tanto em raios gama como nas emissões subseqüentes em vários comprimentos de onda (``afterglows''). São apresentados novos resultados obtidos pelo HETE e por instrumentos no solo e são discutidos modelos recentes propostos para as ECRGs.

 

Introdução

As Explosões Cósmicas de Raios Gama (doravante ECRGs) são fenômenos que emitem, na faixa de raios gama do espectro eletromagnético, energias equivalentes a massa de repouso do Sol em escalas de tempo típicas de décimos de segundo a dezenas de segundo, constituindo-se assim nos acontecimentos mais energéticos do universo conhecido (1051 - 1054 erg/s). Encaradas como curiosidades misteriosas durante décadas, as ECRGs são agora assunto de mainstream em astrofísica. Os resultados recentes obtidos pelo satélite ítalo-holandês BeppoSAX e pela missão internacional HETE (“High Energy Transient Explorer”) foram fundamentais para estabelecer que a maioria das ECRGs, especialmente as mais longas (t90 Á 2 s), está muito provavelmente associada ao colapso gravitacional e subseqüente explosão de estrelas de grande massa (M Á 30 Mç), um fenômeno conhecido como hipernova, ocorrendo tipicamente em regiões de intensa formação estelar em galáxias de desvio para o vermelho z u 1.

No simpósio Nova Física no Espaço de 2002, apresentei uma revisão sobre os aspectos fenomenológicos das ECRGs e os modelos propostos para explicá-las (Braga, 2002). Nesse encontro de 2003, enfatizo os resultados experimentais obtidos em 2002, mormente os obtidos pelo satélite HETE e as observações subseqüentes dos afterglows em comprimentos de onda maiores. Apresento também alguns progressos recentes obtidos nas tentativas de se compreender a natureza das ECRGs e por fim descrevo sucintamente os experimentos futuros que deverão ser fundamentais para que a natureza das ECRGs seja finalmente conhecida em detalhes.

 

O satélite HETE

O HETE é um pequeno (122 kg) satélite científico projetado para detectar e localizar ECRGs. As coordenadas dos eventos detectados são distribuídas a observadores no solo numa escala de tempo de segundos (quando possível) a partir da detecção da explosão, permitindo assim observações detalhadas das fases iniciais dos ECRGs em diversos comprimentos de onda. Uma das estações de recepção do HETE foi montada e é operada e mantida pelo INPE em Natal, RN.

A figura 1 mostra o HETE, que foi lançado em outubro de 2000 numa órbita equatorial de 625 km de altitude. O satélite mede cerca de 1 m de altura por 50 cm de diâmetro. O programa HETE é uma colaboração internacional liderada pelo MIT, sendo que as outras instituições incluem RIKEN (Japão), LANL (EUA), CESR (França), Universidades de Chicago, da Califórnia em Berkeley e Santa Cruz (EUA), CNES e Sup’Aero (França), CNR (Itália), INPE (Brasil) e TIFR (Índia).

O HETE possui 3 instrumentos a bordo: o French Gamma Telescope (FREGATE), operando de 6 a 400 keV, o Wide Field X-ray Monitor (WXM), de 2 a 25 keV, e a Soft X-ray Camera (SXC), de 0.5 a 10 keV. Detalhes sobre o satélite e a missão podem ser encontrados no seu website oficial em space.mit.edu/HETE.

Figura 1 – O satélite High Energy Transient Explorer (HETE)

 

Os ERGs de 31 de maio e 04 de outubro de 2002

O satélite HETE detectou, no dia 31 de maio de 2002, uma ECRG curta e com espectro duro (GRB 020531) numa posição centrada em a = 15h14m45s e d = -19o21’35” (J2000) (Ricker et al. 2002b). A duração medida pelo FREGATE foi de t50 = 360 ms na faixa de 85 a 300 keV. A localização rápida em dezenas de minutos e o refinamento progressivo da determinação da posição dessa explosão em ~18 hs e ~5 dias permitiram o acompanhamento do fenômeno em outros comprimentos de onda. A análise dessa ECRG mostra que seu comportamento é similar ao das explosões longas e de espectro suave (Lamb et al. 2002), o que até então não era conhecido e é importante para as teorias de ECRGs, já que modelos bastante distintos têm sido propostos para as duas classes de fenômenos. Em particular, a duração da explosão cresce à medida que a energia decresce e o seu espectro evolui de duro para mole ao longo da duração do evento.

No dia 4 de outubro de 2002, os instrumentos FREGATE, WXM e SXC a bordo do satélite HETE detectaram uma ECRG longa (~100 s) com início às 12:06:13.57 UT (Shirasaki et al. 2002), similar à detectada pelo HETE em 21 de setembro de 2001 (Ricker et al. 2002a). A curva de luz do FREGATE é mostrada na figura 2. GRB 021004 é de longe a ERG mais bem observada ao longo de toda a história da astronomia de ECRG. Suas coordenadas equatoriais são: a = 00h26m56s e d = +18o56’19” (J2000). O HETE enviou um alerta pela internet 11 segundos após a explosão e divulgou uma posição precisa em 48 segundos. O brilho do objeto na faixa óptica foi observado a apenas 9 minutos após o instante da explosão. Um número próximo de 100 telescópios, em 11 países, apontaram para o objeto. O telescópio espacial Hubble e o observatório de raios-X Chandra observaram o afterglow no dia seguinte à explosão.

 

Figura 2 – Curva de luz em raios gama (instrumento FREGATE a bordo do HETE) do ERG GRB021004.

 

O objeto óptico foi detectado inicialmente com magnitude 15 e diminuiu de brilho por um fator ~2 em ~2 horas. Astrônomos na Austrália mediram um desvio para o vermelho de 1.6 a partir do espectro de absorção do transiente óptico.

 

Figura 3 – Caixa de erro em raios-X (WXM) e cartas de identificação ópticas do GRB 021004 antes e após a ocorrência da erupção.

 

 

Nessa palestra, os resultados das observações do GRB 021004 serão apresentados e as implicações que eles trouxeram aos modelos de ECRGs serão discutidas.

 

 

Progressos recentes em Modelos para ECRGs

Ao longo do ano de 2002, algumas novas teorias e idéias surgiram para explicar as características observadas nas curvas de luz e espectros de ECRGs. Uma revisão recente pode ser encontrada em Hurley, Sari e Djorgovski (2002).

O modelo padrão de fireball tem sido o preferido para explicar as características gerais de ECRGs.

De acordo com essa teoria, uma ECRG é originada quando uma estrela de grande massa (M Á 30 Mç) colapsa num buraco negro circundado por um campo magnético intenso, e possivelmente “alimentado” por um toróide de acresção. Energia pode ser retirada dessa configuração via processo Blandford-Znajek, gerando camadas de material aceleradas a velocidades ultra-relativísticas (fatores de Lorentz de centenas). Essas camadas colidem entre si enquanto se movem para fora, produzindo choques “internos”. Os choques aceleram elétrons, que emitem radiação síncrotron na faixa de raios-gama num surto de duração de ~20 s. Existem evidências de que essa emissão seja fortemente colimada num feixe de vários graus de abertura, o que indica que a energia emitida é da ordem de 1051 erg, similar a de uma supernova. À medida em que a camada de matéria continua a se mover para fora, ela pode encontrar uma região de densidade relativamente maior, que pode ser o próprio meio interestelar ou material ejetado pela estrela nas suas fases finais de evolução. O encontro das camadas em expansão com esse material produz então choques “externos”, que originam afterglows em rádio, óptico e raios-X em escalas de tempo de dias a anos. A energia contida no afterglow é cerca de uma ordem de grandeza menor do que a da explosão em raios-gama. Inicialmente, a emissão do afterglow é também colimada, mas à medida em que as camadas se desaceleram, elas se espalham lateralmente e a emissão tende a se tornar isotrópica. Observações recentes de linhas espectrais transientes nos afterglows em raios-X, tanto em emissão como em absorção, têm demonstrado ser essa uma ferramenta poderosa de diagnóstico da natureza da região emissora.

 

Missões futuras: SWIFT e EXIST

A missão HETE será seguida de novas missões que contribuirão de maneira significativa para o estudo de ECRGs. Dentre essas, destacam-se o SWIFT, um observatório inteiramente dedicado ao estudo das ECRGs que será lançado em 2003, e o EXIST, uma missão de altíssima sensibilidade que terá como principal objetivo realizar um survey profundo do céu em raios-X duros pela primeira vez. O Swift terá capacidade de localizar as ECRGs com precisão de até 0.3 segundos de arco e conterá detectores desde o óptico até raios-gama. A sensibilidade em raios gama será 5 vezes melhor do que a do BATSE/CGRO e a missão terá alta resolução espectral de 0.2 a 150 keV, o que será de grande importância para o estudo das linhas de raios-X dos afterglows.

Como conclusão, podemos afirmar que o estudo das ECRGs está atualmente numa fase extremamente ativa e fascinante em virtude principalmente dos resultados obtidos pelo BeppoSAX e HETE ao longo dos últimos 5 anos. O mistério da origem e da natureza dos enigmáticos surtos em raios gama, que perdurou por quase duas décadas, parece em grande parte resolvido, mas muitas e importantes questões permanecem abertas. As novas missões espaciais e experimentos, em especial Swift e EXIST, em construção ou em fase de planejamento, certamente irão trazer novos ingredientes para as receitas e respostas para as muitas questões remanescentes, além de, como em qualquer campo da ciência humana, gerar um número ainda maior de novas perguntas.

 

Referências

-        Braga, J. 2002, “Bursts de Raios Gama”, Boletim da Sociedade Astronômica Brasileira, em impressão.

-        Hurley, K., Sari, R. and Djorgovski, S. G. 2002, “Cosmic Gamma-Ray Bursts, Their Afterglows, and Their Host Galaxies”, astro/ph 0211620.

-        Lamb, D. Q. Ricker, G. R., Atteia, J.-L., Hurley, K., Kawai, N., Shirasaki, Y., Sakamoto, T., Tamagawa, T., Graziani, C., Olive, J.-F., Yoshida, A., Matsuoka, M., Torii, K., Fenimore, E. E., Galassi, M., Tavenner, T., Donaghy, T. Q., Boer, M., Dezalay, J.-P., Vanderspek, R., Crew, G., Doty, J., Monnelly, G., Villasenor, J., Butler, N., Jernigan, J. G., Levine, A., Martel, F., Morgan, E., Prigozhin, G., Woosley, S. E., Cline, T., Mitrofanov, I., Anfimov, D., Kozyrev, A., Litvak, M., Sanin, A., Boynton, W., Fellows, C., Harshman, K., Shinohara, C., Starr, R., Braga, J., Manchanda, R., Pizzichini, G., Takagishi, K., and Yamauchi, M. 2002, “HETE –2 Localization and Observations of the Short, Hard Gamma-Ray Burst GRB020531”, The Astrophysical Journal, submetido.

-        Ricker, G.; Hurley, K.; Lamb, D.; Woosley, S.; Atteia, J-L; Kawai, N.; Vanderspek, R.; Crew, G.; Doty, J.; Villasenor, J.; Prigozhin, G.; Monelly, G.; Butler, N.; Matsuoka, M.; Shirasaki, Y.; Tamagawa, T.; Torii, K.; Sakamoto, T.; Yoshida, A.; Fenimore, E.; Galassi, M.; Tavenner, T.; Donaghy, T.; Graziani, C.; Boer, M.; Dezalay, J-P; Niel, M.; Olive, J-F; Vedrenne, G.; Cline, T.; Jernigan, J.G.; Levine, A.; Martel, F.; Morgan, E.; Braga, J.; Manchanda, R.; Pizzichini, G.; Takagishi, K.; and Yamauchi, M. 2002a, ``GRB010921: Localization and Observations by the HETE Satellite'', The Astrophysical Journal (Letters), 571, L127-L130.

-        Ricker, G., J-L Atteia, N. Kawai, D. Lamb, S. WoosleyJ. Doty, R. Vanderspek, J. Villasenor, G. Crew,G. Monnelly, N. Butler, T. Cline, J.G. Jernigan, A. Levine, F. Martel, E. Morgan, G. Prigozhin, J. Braga, R. Manchanda, and G. Pizzichini, Y. Shirasaki, C. Graziani, M. Matsuoka, T. Tamagawa, K. Torii, T. Sakamoto, A. Yoshida, E. Fenimore, M. Galassi, T. Tavenner, T. Donaghy, M. Boer, J-F Olive, J-P Dezalay, and K. Hurley, 2002b,“GRB020531(=H2042): A Short, Hard Burst Localized by HETE”, GCN GRB OBSERVATION REPORT 1399.

-        Shirasaki, Y., C. Graziani, M. Matsuoka, T. Tamagawa, K. Torii, T. Sakamoto, A. Yoshida, E. Fenimore, M. Galassi, T. Tavenner, T. Donaghy, G. Ricker, J-L Atteia, N. Kawai, D. Lamb, S. Woosley, J. Villasenor, R. Vanderspek, J. Doty, G. Crew, G. Monnelly, N. Butler, T. Cline, J.G. Jernigan, A. Levine, F. Martel, E. Morgan, G. Prigozhin, G. Azzibrouck, J. Braga, R. Manchanda, and G. Pizzichini. 2002, “A Long GRB Localized by HETE in Near-Real Time”, GCN GRB OBSERVATION REPORT 1565.

 

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