BURACOS NEGROS – 2002
George E.A. Matsas
Instituto
de Física Teórica/UNESP, Rua Pamplona 145, 01405-900, São Paulo-SP
A primeira solução de buraco negro foi encontrada em 1916 pelo
astrofísico alemão K. Schwarzschild pouco depois da formulação da Relatividade
Geral (e pouco antes de sua morte no front russo). Mas a aceitação pela
comunidade de que buracos negros eram soluções físicas e realizáveis na
natureza apenas se deu décadas depois. Em 1939 ainda encontramos A. Einstein
escrevendo nas conclusões de um artigo: "as singularidades de
Schwarzschild não existem na realidade física". Mas isso não era o que R.
Oppenheimer e seu estudante H. Snyder concluíram neste mesmo ano ao analisarem
o colapso de estrelas muito massivas. No ano de 1938 R. Oppenheimer e G.
Volkoff descobriram que estrelas de nêutrons tinham uma massa limite acima da
qual deveriam colapsar. Mas ficava ainda em aberto a questão de como se dava
este colapso. Assim, no ano seguinte, Oppenheimer e Snyder analisaram o
processo de colapso assumindo algumas simplificações: a estrela colapsante
seria perfeitamente esférica e com densidade uniforme, não teria rotação ou
pressão e não se levaria em conta ondas de choque com emissão de matéria ou
radiação. Concluíram, então, que o colapso daria origem inevitavelmente a um
buraco negro. Além disso, diferentemente da descrição feita por observadores em
repouso sobre a superfície da estrela que testemunhariam um colapso contínuo em
direção à singularidade, eles mostraram que, segundo observadores assintóticos,
a superfície da estrela pareceria como que congelada sobre o horizonte de
eventos. Estas conclusões aparentemente contraditórias apenas foram
definitivamente reconciliadas quando D. Finkelstein encontrou em 1958 um
sistema de coordenadas suficientemente robusto para descrever simultaneamente a
região interna e externa do buraco negro. Esse grande passo conceitual e novas
simulações muito mais realistas que só foram possíveis graças a uma compreensão
bem mais precisa da matéria nuclear acabaram por corroborar as conclusões de
Oppenheimer e Snyder e vencer a resistência da maior parte dos séticos quanto à
possibilidade de existência de buracos negros. J. Wheeler, em particular,
passou de crítico a entusiasta e em 1967 introduziu a denominação "buraco
negro" ao que no ocidente era então chamado de "estrela
colapsada" e na ex-União Soviética de "estrela congelada". Mais
de 40 anos depois da solução de Schwarzschild ter sido descoberta, buracos
negros eram tratados, ao menos, como uma possibilidade viável. É usual se
considerar 1964 como marcando o início da era de ouro dos buracos negros (para
grande satisfação deste autor que nasceu neste mesmo ano). Do ponto de vista
teórico, R. Penrose introduziu métodos topológicos com os quais conseguiu
demonstrar resultados bastante gerais. Por exemplo, neste mesmo ano ele mostrou
que não há buraco negro sem uma singularidade em seu interior. Mas houve
avanços também no campo observacional. Em 1966 Ya. Zel'dovich e I. Novikov
levantaram a possibilidade de que se houvesse sistemas binários em que um dos
elementos do par fosse uma estrela e o outro fosse um buraco negro, então seria
razoável esperar a observação de sistemas com um dos elementos do par luminoso
no espectro visível (mas opaco em raio-X) e o outro luminoso em raio-X (mas
opaco no visível). Isso porque qualquer matéria nas vizinhanças do buraco negro
ao ser atraída por ele, converteria sua tremenda energia potencial
gravitacional em cinética e finalmente em energia térmica que seria irradiada
em forma de raio-X. Essa proposta acabou por ser coroada em 1971 quando o
satélite Uhuru mostrou evidências que o sistema Cygnus X-1 seria, de fato, um
sistema binário formado por um buraco negro e uma estrela visível. Se a emissão
de raio-X a partir de sistemas binários contendo buracos negros foi uma
predição confirmada (90%, 95% ?!?!) apenas 7 anos depois, a explicação de que
rádio galáxias (observadas desde os anos 30) e quasares (observados desde os
anos 60) eram energizados pela presença de super buracos negros levaram muito
mais tempo pois apenas veio mais de 40 aos depois da primeira observação. A
solução de buraco negro descoberta por Schwarzschild é uma solução de vácuo das
Eqs. de Einstein esfericamente simétrica e sem rotação. Mas poderia haver
buracos negros com protuberâncias ou mesmo com formas variadas? Em 1964 V.
Ginzburg mostrou que uma estrela magnetizada ao colapsar dava origem a um
buraco negro sem campo magnético. No mesmo ano, A. Doroshkevich, I. Novikov e
Ya. Zel'dovich mostraram que estrelas com pequenas protuberâncias davam origem
a buracos negros perfeitamente esféricos. Esse era o interlúdio que antecedeu à
demonstração dos "teoremas de no-hair". Em 1967 W. Israel demonstrou
rigorosamente a versão mais simples (mas ainda assim de grande alcance) desta
série de teoremas: todo buraco negro sem momento angular deveria ser
esfericamente simétrico. Daí a motivação do nome do teorema dado por Wheeler:
uma estrela (sem momento angular), ao dar origem a um buraco negro perdia a
maior parte de suas características (seus "cabelos"). Mas o que dizer
se a estrela tivesse momento angular? Uma solução de buraco negro com momento
angular já havia sido descoberta por R. Kerr desde 1963 (mas apenas
identificada como tal em 1965 por R. Boyer e R. Lindquist, B. Carter e R.
Penrose). Naquela época não estava claro se não haveria outras soluções de
vácuo descrevendo buracos negros com momento angular. Esta questão foi
resolvida em 1972 por B. Carter (com ajuda de D. Robinson) que mostrou que a
solução de Kerr é a mais geral para um buraco negro (sem carga). Seu horizonte
é mais alongado no equador, ao contrário de um buraco sem momento angular mas,
novamente, as várias características originais da estrela não se perpetuam no
buraco descendente. Para colocar nas palavras de R. Price: no processo de
colapso e formação de buraco negro, tudo o que puder ser irradiado será irradiado.
E o que não pode ser irradiado? Tudo o que satisfizer alguma lei de
conservação. A formulação mais geral dos teoremas de no-hair reza que um buraco
negro é completamente caracterizado por sua massa, carga e momento angular
(estamos omitindo aqui deliberadamente qualquer discussão sobre "hair
quântico" por não ser, em princípio, importante em escala macroscópica).
Assim, buracos negros devem ser não apenas (provavelmente) os mais exóticos
corpos do cosmos, mas também os mais simples (ou "descabelados", como
queiram). Em vista disso, em 1975, Chandrasekhar embarcou num trabalho hercúleo
de catalogar "todas" as propriedades clássicas dos buracos negros
publicando, em 1983 um tratado denominado: "The Mathematical Theory of
Black Holes" mas há ainda muito por se entender, entre outras coisas,
quanto à irradiação do hair. Se o único campo envolvido for o gravitacional,
todo o "hair" terá de ser irradiado em forma de ondas gravitacionais
que esperamos serão observadas logo (e também no Brasil!?). O início da "era
semiclássica" dos buracos negros, se deu em 1974 e foi marcada por alguns
lances pitoresos que o antecederam. Tudo começou em 1970, quando Hawking
mostrou, usando as técnicas introduzidas por Penrose, que a soma das áreas dos
horizontes de eventos de um dado conjunto de buracos negros não poderia
diminuir por qualquer que fosse o processo considerado. Em particular, quando
aplicado a um único buraco negro acabamos concluindo que buracos negros são
indestrutíveis. Para demonstrar o teorema, Hawking assumiu algumas hipóteses
bastante razoáveis (pelo menos classicamente) como positividade do tensor de
energia momento. Em 1972, J. Bekenstein, por analogia, associou a cada buraco
negro uma entropia proporcional à area do seu horizonte de eventos. Apesar da veemente
reação de Hawking contra isso, ele mesmo, 2 anos depois, ao estudar o colapso
de estrelas no contexto de Teoria Quântica de Campos em Espaços-Tempos Curvos
mostrou que buracos negros irradiavam partículas elementares num espectro
(aproximadamente) térmico e que poderiam evaporar em função disso. Mas isso não
violaria o teorema das áreas dos horizontes de eventos deduzido pelo próprio
Hawking? A resposta é "não" porque a hipótese da positividade do
tensor de energia-momento assumida pelo teorema, e tão razoável no contexto
clássico, não se verifica no contexto quântico. A descoberta que buracos negros
poderiam evaporar abriu uma sub-área denominada genericamente de termodinâmica
de buracos negros, intimamente ligada à Teoria Quântica de Campos em Espaços-Tempos
Curvos. Como bonus suplementar, acabamos entendemos muito mais profundamente o
próprio conceito de partícula elementar. Por exemplo, recentemente fomos
capazes de esclarecer o seguinte aparente paradoxo: Sabemos que cargas
aceleradas emitem radiação, i.e. fótons. Então seria de se esperar que
observadores co-acelerados com a carga também observassem esta radiação. Usando
(ingenuamente) o princípio de equivalência, talvez devêssemos esperar que
observadores parados com uma carga num campo gravitacional também observassem
emissão de radiação. Mas isso seria incompatível com o princípio de conservação
de energia. Atualmente o interesse em buracos negros é triplo. Do ponto de
vista clássico, é fundamental entendermos como buracos negros irradiam seu hair
em forma de ondas gravitacionais para criar "templates" com os quais
possamos comparar nossas observações em detetores terrestres (Ligo, Virgo,
etc). Do ponto de vista quântico, o efeito Hawking levantou várias questões
conceituais que tem sido perseguidas com grande entusiasmo por aqueles que
(assim como esse autor) buscam por ordem e simplicidade na natureza. Finalmente
do ponto de vista observacional, os últimos anos tem testemunhado os prenúncios
de que em breve aparecerão as primeiras evidências (sólidas) diretas da existência de buracos negros,
i.e. de horizonte de eventos. Até hoje, todas as nossas evidências são
indiretas, ou seja, observam-se estrelas colapsadas com massa muito alta para
serem (segundo a Relatividade Geral) estrelas de nêutrons. Naturalmente essas
conclusões dependem das Eqs. de Einstein estarem corretas no regime de campos
gravitacionais fortes (e de fato, aparte atos de fé, não podemos estar seguros
disso). Agora, contudo, começam a surgir evidências diretas de que parte da energia
irradiada pelos discos de acreção que envolvem estes corpos está
"desaparecendo". A explicação mais razoável (única?) é que
provavelmente estaria sendo engolida pelo horizonte de eventos. Estas
conclusões são ainda fonte de debate mas as perspectivas são fascinantes. Na
versão 2002 do workshop Nova Física no Espaço destacaremos aqueles que
acreditamos ser os dois tópicos mais estudados neste último ano e um tópico
extra que cremos ser de potencial importância conceitual em futuros
desenvolvimentos da área. Do ponto de vista teórico, destacaremos as
implicações da possível existência de dimensões extras para a física de buracos
negros. Esta é uma idéia bastante especulativa mas que nos sentimos na
obrigação de abordar visto que uma rápida pesquisa bibliográfica indicou ter
sido este o tema que despertou mais atençao da comunidade de relativistas e
físicos de altas energias ligados à área de buracos negros. Nossa ênfase será
nos aspectos teóricos já que os aspectos fenomenológicos deverão ser abordados
pelo Professor Oscar Éboli. Para uma lista incompleta de trabalhos no assunto veja: Dimopoulos S e
Landsberg G, Black holes at the large hadron collider, PHYS REV LETT 87, 161602 (2001); Giddings SB e Thomas
S, High energy colliders as black hole factories: The end of short distance
physics, PHYS REV D 65, 056010
(2002); Ringwald A e Tu H, Collider versus cosmic ray sensitivity to black hole
production, PHYS LETT B 525, 135
(2002); Feng JL e Shapere AD, Black hole production by cosmic rays, PHYS REV
LETT 88, 021303 (2002); Anchordoqui
L e Goldberg H, Experimental signature for black hole production in neutrino
air showers, PHYS REV D 65, 047502
(2002); Voloshin MB, More remarks on suppression of large black hole production
in particle collisions, PHYS LETT B 524,
376 (2002). Do ponto de vista astrofísico, comentaremos
sobre o status atual da tentativa de observação do horizonte de eventos assim
como resumido por Falcke H, Markoff S, Biermann PL, et al. Sgr A*: Observations,
models, and imaging of the event horizon with VLBI IAU SYMP (205): 28-31 2001. Serão discutidos brevemente os últimos progresos observacionais e
teóricos neste contexto. As últimas obsevações-VLBI mostram a emissão de radio
a partir do centro de Sgr A* de uma região com aproximadamente 15 raios de
Schwarzschild. Na medida do possível também discutiremos avanços na inelecção
de fenômenos provavelmente relacionados com buracos negros com dimensões
estelares [vide Fender RP, Powerful jets from black hole X-ray binaries in
low/hard X-ray states, MON NOT R ASTRON SOC 322, 31 (2001) e Wilms J, Reynolds CS, Begelman MC, et al.,
XMM-EPIC observation of MCG-6-30-15: direct evidence for the extraction of
energy from a spinning black hole? MON NOT R ASTRON SOC 328, L27 (2001)]. Finalmente discutiremos o
trabalho Leonhardt U, A laboratory analogue of the event horizon using slow
light in an atomic medium, NATURE 415,
406 (2002) como um exemplo paradigmático de como a física de buracos negros
pode sugerir efeitos interessantes e inesperados em física de matéria
condensada de baixas energias.