II WORKSHOP :NOVA FÍSICA NO ESPAÇO

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Cláudia Mendes de Oliveira

 

O ESTUDO DE GRUPOS COMPACTOS

 

Cláudia Mendes de Oliveira

Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas

Universidade de São Paulo

 

O estudo de grupos compactos é um tópico novo que ganhou grande atenção principalmente nos últimos dez anos. Por grupos compactos entende-se pequenos grupos de tipicamente quatro a sete galáxias brilhantes (> L*), onde a separação entre elas é comparável aos seus diâmetros. O estudo destes grupos é interessante por vários motivos: (1) eles apresentam uma densidade aparente muito alta, de até 106 galáxias por Mpc3 e, portanto, vários deles podem ser grupos reais (ao invés de serem simples alinhamento aleatório de galáxias em grupos menos densos); (2) eles possuem uma fração alta de galáxias em interação e, por isso, são bons laboratórios para o estudo dos efeitos de interações e fusões sobre a estrutura das galáxias; (3) os grupos compactos possuem tempos de cruzamento muito curtos. Os modelos de evolução de grupos prevêem uma vida curta para os grupos, uma vez que estes devem se fundir em alguns tempos de cruzamento formando uma galáxia elíptica (Barnes 1989). Temos então o seguinte problema: quais os possíveis ancestrais e descendentes dos grupos? Por que não todos os grupos já se fundiram se o tempo dinâmico destes é tão curto? (4) Finalmente, outro motivo pelo qual o estudo dos grupos torna-se útil é o fato destes possuírem um número grande de galáxias com velocidades discordantes. Eles podem então ser usados para testar a teoria de Arp (1973) de que os redshifts em alguns grupos compactos podem ter origem não cosmológica. Neste seminário, faremos um "review" sobre as principais descobertas feitas nos últimos 30 anos no estudo de grupos compactos.

 

Breve Histórico

O Primeiro Grupo

Na literatura, destaca-se Edward Stephan como o primeiro astrônomo a catalogar, em 1877, um grupo compacto, o desde então chamado "Quinteto de Stephan". Este grupo, talvez o mais famoso e estudado, é formado por cinco galáxias brilhantes muito próximas umas das outras, onde várias delas mostram sinais de interação. Vários aspectos sobre este grupo serão discutidos durante o seminário.

 

Os anos 70

Os primeiros catálogos de galáxias a serem publicados foram o Atlas of Interacting Galaxies (Vorontsov-Vel'yaminov, 1959, 1977) e o Atlas of Peculiar Galaxies (Arp 1966). Estes catálogos mostraram vários exemplos de grupos com sinais de interação.

A primeira grande amostra de grupos compactos foi selecionada por Shakhbazian e colaboradores (1973). Eles selecionaram grupos compactos de cinco ou mais galáxias em placas fotográficas vermelhas e produziram dez listas com 377 grupos. Vários estudos subsequentes dos grupos de Shakhbazian (assim chamados) mostraram que estes grupos são formados, em sua grande maioria, por galáxias vermelhas e compactas.

Em 1977, Rose fez a primeira tentativa de selecionar grupos de galáxias usando um critério quantitativo de seleção. O catálogo de grupos de Rose contém 170 tripletos, 33 quartetos e dois quintetos. Estes grupos não têm sido muito estudados. Não há informação de redshift para a maioria deles.

 

Os Anos 80

O início dos anos 80 trouxe um novo impulso para o estudo de grupos compactos. Hickson (1982) catalogou 100 grupos através de inspeção visual do Palomar Observatory Sky Survey Prints, que se tornariam, nas próximas duas décadas, a mais estudada amostra de grupos. O catálogo de grupos compactos de Hickson continha originalmente 60 quartetos, 25 quintetos, oito sextetos, seis septetos e um octeto, identificados com as letras HCG ou simplesmente H (por exemplo HCG16 ou H16). Durante os anos subsequentes, Hickson e colaboradores obtiveram redshifts e fotometria CCD para as 460 galáxias membros e descobriram então que 92 dos 100 grupos tinham três ou mais membros com velocidades concordantes (velocidade concordante foi definida como velocidade não mais que 1000 km s-1 maior ou menor que a velocidade média do grupo). Um total de 62 grupos com quatro ou mais galáxias apresentaram velocidades concordantes. A velocidade média dos grupos é de ~ 9000 km s-1, a distância média entre as galáxias, de 40 h-1 kpc (onde h = H0/100, e H0 é a constante de Hubble), a dispersão de velocidades é de 200 km s-1 e o tempo de cruzamento médio H0tC é de 0.02 (Mendes de Oliveira 1992, Hickson et al. 1992). Descobriu-se uma forte correlação entre a fração de galáxias azuis em um grupo e sua dispersão de velocidades, e entre a fração de galáxias azuis e o tempo de cruzamento do grupo. Esta última pode ter sido causada por efeitos dinâmicos: grupos com tempos de cruzamento menores estariam em estágios de evolução mais avançados e teriam, então, uma população de espirais menor, uma vez que provavelmente fusões nestes grupos já transformaram galáxias espirais em elípticas.Valores de dispersão de velocidades típicos de 200 km s-1 e densidades altas de galáxias sugerem que os grupos sejam locais ideais para que interações e fusões aconteçam.

Também nos anos 80 foi feita a primeira detecção de raios X de um grupo por Bahcall et al. (1984) com o satélite Einstein. No entanto, a resolução e sensibilidade não eram suficientes para discernir se a emissão era proveniente das galáxias individuais ou do meio intra-grupo.

Um estudo dos grupos compactos de Hickson em HI (Williams and Rood 1987) mostrou que estes são deficientes em hidrogênio neutro quando comparados com grupos menos densos. Isto foi visto como uma evidência forte contra as idéias de Mamon (1986, 1988) de que a maioria dos grupos seriam simplesmente galáxias de campo ou de grupos abertos alinhadas aleatoriamente na linha de visada. Se a amostra de grupos de Hickson apresentava uma deficiência de HI quando comparada a uma amostra de grupos abertos, estes não podiam ser os mesmos sistemas vistos de linhas de visada diferentes, como sugeria Mamon. Vários estudos sobre a constituição da vizinhança dos grupos (Sulentic 1987, Rood and Williams 1989, Kindl 1990) também mostraram que os grupos compactos se encontram preferencialmente em regiões esparsas de galáxias, onde o alinhamento em um falso grupo, em duas dimensões, não seria favorecido. Apenas 10% dos grupos do catálogo de Hickson foram identificados como tendo vizinhanças ricas em galáxias (por exemplo aglomerados em volta de HCG 65, HCG 67 e HCG 48).

O Progresso dos anos 90

Na última década, o tópico de grupos compactos foi amplamente estudado. Um exemplo disto é que o número de artigos durante o período 94-99, por exemplo, quase quadruplicou em relação ao número de publicações sobre grupos compactos no período de 84 a 89. Muito deste progresso ocorreu devido ao fato de ter ficado claro para a comunidade, que grande parte dos grupos são entidades físicas, bons laboratórios para o estudo da evolução dinâmica de galáxias em meios densos. Outro motivo pelo qual os grupos (principalmente os do catálogo de Hickson) foram muito estudados foi a facilidade de se observar uma amostra que é composta de galáxias brilhantes e que é acessível dos dois hemisférios. A confiança de que os grupos são sistemas físicos veio com os vários estudos de raios-X baseados em dados obtidos com o satélite ROSAT e mais recentemente, com os satélites ASCA e XMM. Ponman et al. (1996), dentre outros, detectaram raios-X em mais de duas dezenas de grupos e inferiram que pelo menos 75% dos grupos de Hickson deviam emitir em raios X (mas a maioria deles tinha fluxo abaixo da sensibilidade de ROSAT). Um trabalho semelhante para os grupos Shkh está em andamento (Tiersch et al. 2002, em preparação). Tanto os grupos de Hickson quanto os de Shkh seguem a já bem conhecida correlação para aglomerados, de luminosidade de raios X versus dispersão de velocidades.

Novos estudos sobre o conteúdo em HI dos grupos (Williams et al. 1991, Huchtmeier 1997, Oosterloo and Iovino 1997) mostraram que os grupos são realmente deficientes em HI, mas também há exemplos de grupos que têm um halo de HI envolvendo todas as galáxias membros. As diferenças em forma e conteúdo de HI devem estar ligadas com os diferentes estágios evolucionários em que se encontram os grupos (Williams et al. 1991).

Os estudos detalhados das regiões periféricas e redondezas dos grupos, através da determinação dos redshifts de galáxias menos brilhantes também merecem destaque. de Carvalho et al. (1997) e outros, concluíram que os grupos compactos se encontram preferencialmente dentro de grupos abertos. Diaferio et al. (1994) sugeriram que os grupos compactos podem então se formar através do colapso dos grupos abertos que os circundam. Esta seria uma maneira natural de formar novos grupos compactos que, por sua vez, se fundirão para formar uma única galáxia.

Ponman et al. (1994) and Mulchaey and Zabludoff (1999) encontraram evidências de que algumas galáxias isoladas, que possuem halos de raios X, podem ser remanescentes do que um dia foi um grupo compacto. No entanto, estes estudos estão apenas se iniciando. Falta mostrar se estas galáxias elípticas isoladas têm características de objetos resultantes de múltiplas fusões.

Descrevemos até este ponto, de uma maneira geral, algumas das diversas linhas de estudos existentes sobre os grupos compactos. Terminaremos o seminário focalizando no estudo da cinemática interna das galáxias em grupos. Especificamente, serão relatados resultados sobre a cinemática interna de galáxias, baseados em observações obtidas com o telescópio Canada-France-Hawaii e ESO-3.6m, na forma de mapas de velocidades na linha Ha, para uma sub-amostra de galáxias do catálogo de Hickson (1982). Seguirá então uma discussão sobre as questões que ainda estão abertas no estudo de grupos compactos.

Referências

-        Arp, H. 1973, ApJ, 183, 411.

-        Bahcall, N.A., Harris, D.E., Rood, H.J., 1984, ApJ, 284, L29.

-        Barnes J., 1992, , 393, 484

-        de Carvalho R., Ribeiro A., Capelato H.V., Zepf S., 1997, ApJ Suppl 110, l

-        Diaferio, A., Geller, M.J., Ramella, M. 1994, AJ, 107, 868.

-        Hickson P., 1982, 255, 382.

-        Hickson P., Mendes de Oliveira C., Huchra J.R, Palumbo G.G.C., 1992, 399, 353.

-        Huchtmeier W.K. 1997, A&A, 325, 473.

-        Kindl, E. 1990, PhD Thesis, University of British Columbia

-        Mamon, G.A. 1988, ApJ, 328, 797.

-        Mamon, G.A. 1986, ApJ, 307, 426.

-        Mendes de Oliveira C. 1992, PhD Thesis, University of British Columbia

-        Mulchaey J., Zabludoff A. 1999, ApJ, 514, 133

-        Oosterloo T., Iovino A., 1997, The Second Stromio Symposium: The Nature of Eiliptical Galaxies ASP Conf. Series Vol 116 p358. Ed M. Arnaboldi, G.S. Da Costa, P. Saha

-        Ponman, T.J., Allan, D.J., Jones, L.R., Merrifield, M., McHardy, I.M., Lehto, H.J., Luppino, G.A. 1994, Nature, 369, 462.

-        Ponman T.J., Bounder P.D.J., Ebeling H., Bohringer H., 1996, , 283, 690.

-        Rood, H.J., Williams, B.A. 1989, ApJ, 339, 772.

-        Sulentic, J.W. 1987, ApJ, 322, 605

-        Vorontsov-Velyaminov, B.A. 1977, A&ASS, 28, l.

-        Vorontsov-Velyaminov, B.A., Atlas and catalog of interacting galaxies, 1959, Sternberg Institute, Moscow State University.

-        Williams, B.A, McMahon, P.M., van Gorkom, J.H. 1991, Aj, 101, 1957.

-        Williams, B.A, Rood 1987, ApJS, 63, 265.

 

 

 

ANÁLISE WAVELET DE LUZ DIFUSA EM GRUPOS COMPACTOS

 

Cristiano Da Rocha1, Cláudia Mendes de Oliveira2,Carlos R. Rabaça3, Daniel N. E. Pereira3 & Michael Bolte4

1 Divisão de Astrofísica (DAS), INPE

2 Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), USP

3 Observatório do Valongo, UFRJ

4 Lick Observatory, UCSC

 

O estudo de estruturas de baixo brilho superficial a partir de observações nas bandas B e R de quatro grupos compactos (HCG 79, HCG 88, HCG 92 e HCG 95) revelou a presença de uma considerável quantidade de luz intergaláctica difusa em dois deles (HCG 79 e HCG 95). Este envelope difuso é presumivelmente devido a material estelar arrancado das galáxias membro do grupo por efeitos de maré durante processos de interação. A utilização  de uma nova técnica de análise, baseada em transformadas “Wavelet”, tornou possível se detectar e medir estruturas de baixo brilho superficial como este tipo de componente. A luz difusa encontrada tem uma cor média de (B-R) = 1,4 - 1,5 ± 0,1 e corresponde às seguintes frações da luz total de cada grupo, na banda R: 18%, 12%, 3% e 0% para os grupos HCG 95, HCG 79, HCG 92 e HCG 88, respectivamente. A componente de luz difusa de um grupo pode representar uma ferramenta eficiente para determinar há quanto tempo os grupos estão juntos em uma configuração compacta.