VENTOS ESTELARES

Walter J. Maciel

IAG/USP

[Trabalho baseado em palestra apresentada no ciclo de seminários de Iniciação Científica, IAG/USP, abril 2005]


INTRODUÇÃO

Os ventos estelares são um fenômeno comum nas estrelas, incluindo as anãs, como o Sol, as estrelas gigantes vermelhas e as supergigantes quentes. De fato, pode-se dizer que todas as estrelas perdem massa em alguma época de suas vidas, e o estudo desse fenômeno é um dos principais aspectos da astrofísica moderna. Os ventos estelares podem ser caracterizados por um processo contínuo de perda de massa, como no caso do vento solar, em contraposição aos processos de perda de massa episódicos ou catastróficos, como nas estrelas novas e supernovas.

No caso do Sol, a taxa de perda de massa é pequena, isto é, a quantidade de matéria que o Sol perde por unidade de tempo é muito pequena. Mesmo considerando todo o tempo de vida do Sol, a massa total perdida ainda é uma pequena fração da massa original, produzindo um pequeno efeito na sua evolução, ainda que outros efeitos mais significativos sejam observados, como a influência do vento solar sobre as comunicações em nosso planeta.

No caso de estrelas quentes e massivas, de grande luminosidade, ou das estrelas de massa intermediária em estágios avançados de evolução, que são as gigantes e supergigantes vermelhas, as taxas observadas podem ser significativas. Essas taxas afetam de maneira por vezes drástica a evolução e o futuro dessas estrelas.

Neste texto, vamos considerar algumas evidências observacionais da existência de ventos no Sol e em outras estrelas e examinar alguns aspectos teóricos, como as equações que caracterizam os ventos estelares e os principais mecanismos sugeridos como responsáveis por eles. Começaremos com uma pequena discussão da estrutura e evolução das estrelas, sua evolução galáctica, passando em seguida para as principais evidências observacionais, tanto no caso do Sol, das estrelas jovens e das estrelas evoluídas. O texto conclui com uma exposição de alguns aspectos teóricos do estudo dos ventos, em particular dos mecanismos responsáveis pela ejeção de matéria nas estrelas.

ESTRELAS: ESTRUTURA E EVOLUÇÃO

O estudo das estrelas divide-se classicamente em duas partes, a física dos interiores estelares e a física das atmosferas estelares. Praticamente todas as observações de que dispomos das estrelas vêm da análise de suas atmosferas - as camadas mais externas que emitem a maior parte da radiação observada. Por essa razão, a física das atmosferas é relativamente bem conhecida, pois as previsões dos modelos de atmosferas podem ser diretamente comparadas com o resultado das observações.

Os interiores estelares, ao contrário, são dificilmente observáveis e, de fato, somente no caso do Sol conseguimos detectar partículas produzidas nessa região - os neutrinos - pois praticamente toda a radiação dos interiores estelares é também absorvida nessa região. Apesar disso, podemos dizer que os modelos de interiores são também bem desenvolvidos, pois o fluxo de radiação e outras propriedades físicas na base das atmosferas estelares devem coincidir com as propriedades das camadas mais externas dos interiores estelares.

Um exemplo típico da estrutura de uma estrela pode ser visto na figura 1 (lado esquerdo), onde estão representadas as principais camadas que compõem o interior solar. Podemos observar a região mais interna, o caroço solar, onde se processam as reações nucleares que geram a energia emitida pelo Sol. Ainda no chamado interior solar, observamos as regiões caracterizadas por um transporte de energia radiativo - a zona radiativa - e uma região mais externa, caracterizada pelo transporte convectivo de energia - a zona convectiva. Outras estrelas também possuem zonas radiativas e convectivas, embora sua localização não seja necessariamente igual ao caso do Sol. A camada convectiva estende-se até alcançar a superfície do Sol, que é a sua fotosfera, a camada que podemos observar a olho nu, como pode ser visto na figura 1, lado direito.

Figura 1. Lado esquerdo: Esquema do interior solar, destacando o caroço central, a zona radiativa e a zona convectiva. Lado direito: A fotosfera solar, com algumas manchas solares.(NASA)

Do ponto de vista dos ventos estelares, o principal objetivo deste texto, são particularmente interessantes as atmosferas das estrelas, pois os ventos estelares nada mais são do que atmosferas em expansão. De fato, em diversas etapas das vidas das estrelas suas atmosferas se expandem (e eventualmente contraem-se) devido à falta de equilíbrio entre as forças de pressão e a força gravitacional. Entretanto, os ventos estelares estão associados com o fenômeno de perda de massa pelas estrelas, isto é, a matéria contida no vento deve deixar a estrela definitivamente, o que não ocorre nesses estágios de expansão mencionados, que são geralmente seguidos por uma contração ou por uma estabilização do material da atmosfera em um patamar mais elevado, sem perda de massa pela estrela.

Os diversos estágios pelos quais passa uma estrela ao longo de sua vida constituem a evolução estelar, e seu estudo teve um grande progresso a partir da segunda metade do século XX. De fato, podemos dizer que as principais características das estrelas são contempladas pelos modelos atuais, que conseguem prever com sucesso todas as quantidades físicas observadas, como os fluxos de radiação nos diversos comprimentos de onda, as intensidades das linhas espectrais, tanto em emissão como em absorção, as abundâncias dos elementos responsáveis pelas linhas, etc.

A quantidade básica que define a evolução de uma estrela é sua massa. De modo geral, as estrelas contraem-e a partir de uma nuvem interestelar e passam a produzir energia por meio de reações nucleares em suas regiões centrais, quando são tecnicamente denominadas estrelas. Em um diagrama contendo no eixo horizontal a sua temperatura superficial, e no eixo vertical sua luminosidade - o chamado diagrama HR - essas estrelas ocupam uma região chamada "sequência principal" (SP), onde passam a maior parte de suas vidas (figura 2).

Figura 2. O diagrama HR (de Hertzsprung e Russell). As estrelas passam a maior parte de suas vidas na sequência principal (main sequence). Note a posição do Sol, com uma temperatura da ordem de 6000 K e luminosidade relativa igual a 1. (Pearson Education)

Na sequência principal a estrela consome seu reservatório de combustível nuclear, passando às etapas seguintes. Por exemplo, na figura 2 estão representadas as fases de gigantes, supergigantes e anãs brancas, todas elas posteriores à etapa da sequência principal, ou seja, os objetos nessas fases já ultrapassaram a fase de SP em épocas passadas.

No caso de estrelas de massa pequena ou intermediária, como o Sol, a estrela se transforma em uma gigante vermelha, movendo-se para cima e para a direita no diagrama HR (figura 3). Nesse diagrama estão também mostradas linhas indicativas do tamanho das estrelas, admitidas esféricas. Vemos que as estrelas gigantes e supergigantes têm dimensões cerca de 100 a 1000 vezes maiores que o Sol, enquanto que as anãs brancas são tipicamente dez a cem vezes menores que o Sol.

Figura 3. Evolução do Sol em direção ao ramo das gigantes no diagrama HR, a partir da sequência principal. (Pearson Education)

No final da fase de gigante vermelha, a estrela ejeta suas camadas externas, formando então uma nebulosa planetária (figura 4), enquanto que o objeto central - com a maior parte da massa da estrela original - transforma-se em uma estrela anã branca, estágio terminal para esse tipo de estrela, pois a partir daí não mais ocorrem reações nucleares e o objeto se torna uma anã negra.

Figura 4. A nebulosa planetária NGC 7293, estágio avançado da evolução de uma estrela de massa semelhante à do Sol. (Anglo Australian Observatory)

Esse esquema evolutivo, ilustrado na figura 5, aplica-se de modo geral a estrelas de massa pequena e intermediária, que são aquelas com massas entre uma massa solar até cerca de oito massas solares, aproximadamente.

Figura 5. Evolução no diagrama HR de estrelas de massa pequena ou intermediária, da sequência principal até a fase de anã branca.(S.Kwok)

As etapas descritas aplicam-se, portanto, às estrelas de massa pequena ou intermediária. Como já foi mencionado, a evolução das estrelas depende criticamente da sua massa, o que está esquematizado na figura 6, desde a fase de protoestrela até os estágios finais, que podem ser anãs brancas, supernovas ou buracos negros. Podemos notar que todas as estrelas passam pela sequência principal, onde permanecem a maior parte de suas vidas, mas seu destino posterior depende de sua massa. Note-se também que, na sequência principal, estrelas de diferentes massas ocupam posições diferentes, como pode ser observado na figura 2: as de maior massa estão mais à esquerda, têm maiores temperaturas superficiais e maiores luminosidades.

Figura 6. Esquema de evolução estelar segundo a massa original da estrela.

Portanto, as estrelas de menor massa evoluem segundo a sequência: gigante vermelha - nebulosa planetária - anã branca - anã negra, que é essencialmente cinza estelar. As estrelas de grande massa, até cerca de 20 ou 30 massas solares, têm uma evolução mais rápida e dramática. Deixam a sequência principal em direção ao ramo das supergigantes (figura 7), explodindo posteriormente como uma supernova. Note que existem limites para a massa das estrelas, que geralmente não ultrapassam 100 massas solares.

Figura 7. Evolução no diagrama HR de estrelas de grande massa. (Pearson Education)

A explosão de uma supernova é um fenômeno extremamente energético, transferindo energia e quantidade de movimento ao meio interestelar por meio de ondas de choque. No processo, pode ser formada uma estrela de nêutrons - um objeto colapsado - enquanto que a parte mais externa da estrela, ou toda ela, é ejetada ao meio interestelar. Num estágio posterior, o material ejetado constitui um resto de supernova, do qual vários exemplos são conhecidos, como a Nebulosa do Caranguejo, resto de uma supernova que surgiu em 1054 DC, e que foi observada pelos chineses (figura 8).

Figura 8. A Nebulosa do Caranguejo, um resto de supernova.(VLT/ESO)

Estrelas extremamente massivas, com massas acima do limite mencionado, podem colapsar indefinidamente transformando-se em buracos negros. Nesse caso, nada consegue deixar a estrela, nem mesmo a luz, de modo que sua deteção deve sempre feita por métodos indiretos, como as medidas dos movimentos de objetos próximos, ou a emissão de raios X em sistemas binários (figura 9). De fato, a evolução de sistemas binários cerrados, onde as duas estrelas estão muito próximas uma da outra, pode ser muito diferente da evolução de estrelas isoladas, podendo haver transferência de massa de uma estrela para outra, a qual pode explodir como supernova, mesmo que sua massa não seja muito alta. Nos casos mais extremos, o objeto colapsado pode se transformar em um buraco negro, que, em princípio, pode ser detectado pela observação dos raios X emitidos pelo disco de acréscimo de matéria formado no processo de transferência de massa.

Figura 9. Representação esquemática de um sistema binário contendo um buraco negro. A matéria cai sobre o objeto colapsado, que está à direita, vinda do objeto evoluído à esquerda. No processo, forma-se um disco de acréscimo de matéria que emite raios X, os quais podem ser observados, detectando-se, indiretamente, o buraco negro.

Neste pequeno resumo da evolução estelar, estamos principalmente interessados nas propriedades das estrelas em seus estágios mais avançados de evolução, e não demos muita atenção às épocas iniciais de formação estelar. Entretanto, há muitas evidências da associação de objetos jovens com nuvens de gá interestelar denso, como regiões HII e nuvens moleculares. Os objetos associados com o nascimento das estrelas e aqueles associados com sua morte estão relacionados, como prevê a teoria da evolução galáctica, em particular a sua evolução química e dinâmica. De fato, nuvens interestelares densas estão associadas com o nascimento das estrelas, enquanto que objetos como as nebulosas planetárias e os restos de supernovas estão associados com a morte das estrelas de pequena e grande massa, respectivamente. Conforme ilustrado na figura 10, o gás interestelar se condensa para formar estrelas que, terminado seu ciclo evolutivo, devolvem ao meio interestelar, na forma de "restos", toda ou parte da matéria que a constituem. Esse gás interestelar, renovado pelas ejeções das estrelas, estará pronto para formar novas gerações de estrelas, as quais terão uma composição química modificada pelas transformaçãoes nucleares ocorridas no interior das gerações precedentes. Os ventos estelares fazem parte desse processo, sendo uma maneira eficaz de transferência de matéria, energia e quantidade de movimento das estrelas para o meio interestelar.

Figura 10. Esquema de evolução galáctica.

UM CASO ESPECIAL: O VENTO SOLAR

O Sol é uma estrela anã típica, com um raio da ordem de 700 mil km, contendo 4 regiões principais:

(1) O interior solar, que compreende um núcleo quente, com temperaturas da ordem de 10 milhões de graus Kelvin, onde ocorre a fusão de H em He, basicamente a fonte de sua energia; uma região radiativa e uma região convectiva, que se estende até a superfície (figura 1, esquerda).

(2) uma atmosfera fina e rarefeita, com uma temperatura da ordem de 5800 K e espessura da ordem de 400 km, onde se forma o espectro solar observado, isto é, de onde vem praticamente toda a radiação observada na faixa visível do espectro solar (figura 1, direita).

(3) uma cromosfera quente, com temperaturas até da ordem de 20000 K, situada acima da fotosfera, observável por exemplo durante eclipses do Sol (figura 11).

Figura 11. Imagem da cromosfera solar (rosa) e da coroa (branca) em eclipse. (High Altitude Observatory)

A alta temperatura dessa região produz emissão da linha H-alfa do hidrogênio, com comprimento de onda de 6562 A, na região vermelha do espectro. Por exemplo, podemos observar uma proeminência na imagem da figura 11 correspondendo a essa emissão. Usando um filtro nessa faixa do espectro, podemos isolar a emissão em H-alfa, obtendo a imagem mostrada na figura 12.

Figura 12. Imagem da cromosfera solar na linha H-alfa, de comprimento de onda 6562 A. (NASA)

(4) Uma região de transição, onde a temperatura sobe a partir das temperaturas cromosféricas até cerca de um milhão de graus. Essa região pode ser observada, por exemplo, pela emissão ultravioleta do ion CIV, em medidas feitas de fora da nossa atmosfera (figura 13).

Figura 13. Imagem da região de transição solar na linha ultravioleta do CIV. (SOHO)

(5) uma coroa muito quente, com temperaturas de um milhão de graus, que se expande em direção ao meio interplanetário, e que também pode ser observada em eclipses (ver a parte branca na figura 11). A alta temperatura produz uma elevada ionização dos principais elementos, como H, He e outros, e somente aqueles mais pesados, como o Fe, conseguem manter alguns elétrons ligados e produzir linhas de emissão, que podem ser observadas. A observação dessas linhas constitui, de fato, uma das maneiras de determinar a temperatura da coroa (ver o Box 1).

Além disso, a alta temperatura produz emissão em raios X, formando um grande contraste com a fotosfera mais fria. A coroa solar pode também ser observada na faixa ultravioleta, mostrando impressionantes estruturas, em particular nas épocas de máximo de atividade, como as proeminências e regiões ativas (figura 14).

Figura 14. Imagens da coroa solar no ultravioleta a partir de linhas do He (esquerda) e Fe (direita). Note a enorme proeminência abaixo e à direita da imagem obtida na linha do He. (SOHO)

Todas essas estruturas da atmosfera solar podem, em princípio, ser observadas, devido à proximidade do Sol, o que não ocorre com as demais estrelas. Mesmo o núcleo, cuja radiação é absorvida dentro do próprio Sol, produz neutrinos que podem ser observados. As demais regiões apresentam emissão contínua e/ou linhas espectrais, que podem ser medidas do solo ou a partir de satélites. Naturalmente, muitos processos físicos diferentes acontecem nessas regiões solares, e sua deteção e análise constituem objetivos da física solar, um dos ramos mais importantes da Astrofísica.

A estrutura mais externa do Sol - a coroa - estende-se de fato em direção ao espaço interplanetário na forma do vento solar. Estudos detalhados do vento solar só foram possíveis com o advento da era espacial, quando satélites artificiais passaram a medir diretamente as propriedades do espaço interplanetário, o que inclui por exemplo medidas da intensidade do campo magnético interplanetário, da densidade e velocidade do vento solar. Dois exemplos importantes são as sondas Mariner II que, em 1962, detectou e mediu as velocidades do vento solar, e Ulysses, que observou a região dos pólos solares em 1994/1995. Entretanto, muito antes disso já havia indícios de um fluxo de partículas emitidas pelo Sol, em particular por meio de medidas de raios cósmicos e pela observação da cauda de cometas que penetravam no Sistema Solar. Outras evidências relacionadas com o vento solar incluem as auroras e as tempestades geomagnéticas.

Os raios cósmicos são partículas energéticas que podem chegar até a atmosfera da Terra, originadas parcialmente do próprio Sol ou de outras fontes galácticas e mesmo extragalácticas. Eles têm sido observadas praticamente desde a primeira década do século XX, notando-se que o fluxo de raios cósmicos estava inversamente correlacionado com a atividade solar, isto é, nos períodos de máxima atividade, o fluxo medido de raios cósmicos de origem galáctica era menor. Concluiu-se que esse efeito seria devido à modulação dos raios cósmicos galácticos pelo vento solar, à medida que se propagavam através do espaço interplanetário.

A segunda evidência indireta do vento solar decorre da observação da cauda dos cometas. Muitos cometas apresentam duas caudas, uma delas retilínea, apontando na direção oposta ao Sol, enquanto que a outra é mais curva e não alinhada com a direção entre o cometa e o Sol. Essa última apresenta espectros característicos de luz espalhada do Sol, sugerindo a presença de poeira. Nesse caso, a pressão da radiação solar seria responsável pela formação da cauda de poeira, empurrando os grãos para fora. As diferentes velocidades orbitais dos grãos de poeira levam à formação de uma cauda encurvada. Para explicar a formação da cauda reta, que nos interessa aqui, com a presença de íons como CO+, a ação da pressão da radiação solar não seria suficiente. Foi então sugerido que os íons da cauda reta estavam sendo empurrados por um fluxo de partículas vindas do Sol, a "radiação corpuscular solar", ou seja, o vento solar. A figura 15 mostra o cometa Hale-Bopp. Em azul aparece a cauda iônica, causada pelo vento solar, enquanto que a cauda de poeira, mais curva, aparece em branco.

Figura 15. Cometa Hale-Bopp.(AAP)

A partir de meados do século XX, estudos hoje clássicos sobre o vento solar foram realizados, principalmente por L. Biermann e E. Parker. Basicamente, o vento solar pode ser considerado como uma extensão da atmosfera externa do Sol, ou seja, ele é formado essencialmente pela evaporação da coroa solar de alta temperatura em direção ao espaço interplanetário. Com temperaturas da ordem de milhão de graus, os prótons, elétrons, etc. que constituem a coroa têm velocidades térmicas muito altas, superiores à velocidade de escape do Sol (ver o Box 2). Assim, podem escapar para o espaço interplanetário, na forma do vento solar. A velocidade e a densidade das partículas que o compõem podem ser medidas na posição da Terra, a uma distância de 1 UA do Sol, particularmente depois do lançamento da nave espacial Ulysses (1994). Podem ser identificadas duas correntes de partículas, uma delas mais lenta, com velocidades da ordem de 450 km/s, e outra mas rápida, com velocidades de 700 km/s (figura 16).

Figura 16. Medidas da velocidade do vento solar, dados da sonda Ulysses. (NASA)

A densidade típica do vento solar é de 5 partículas por centímetro cúbico. Essas partículas são basicamente prótons e elétrons e uma componente menor de íons mais pesados. Conhecendo a velocidade e a densidade do vento na posição da Terra, é possível estimar a taxa de perda de massa do Sol, isto é, a quantidade de matéria que o Sol está perdendo por ano. (ver o Box 3). O valor obtido é da ordem de 10 elevado a (-14) massas solares por ano, correspondendo aproximadamente a um milhão de toneladas por segundo. Isso pode parecer muito, mas é uma pequena fração da massa do Sol, de modo que o vento praticamente não tem efeito sobre sua evolução. Como veremos mais tarde, em outras estrelas a taxa de perda de massa pode ser muitas ordens de grandeza mais alta, afetando significativamente as escalas de tempo de evolução dessas estrelas.

A coroa solar tem uma estrutura complexa, em particular pela existência do campo magnético solar, cujas propriedades estendem-se em direção ao espaço interplanetário, constituindo o chamado campo magnético interplanetário (IMF). Regiões em que as linhas do campo magnético são abertas, como nas regiões mais escuras da coroa, conhecidas como buracos coronais, originam o vento de alta velocidade observado. Essas regiões são encontradas principalmente nas vizinhanças dos pólos solares. Já o vento de menor velocidade é formado principalmente em áreas com linhas de campo fechadas próximas ao equador solar. As linhas fechadas seguram os gases coronais, formando regiões mais quentes e diminuindo a velocidade do vento solar. A figura 17 mostra uma imagem da coroa solar, em que as linhas do campo magnético solar correspondem aproximadamente aos limites entre as regiões de diferentes cores. Nas regiões próximas ao equador as linhas do campo caem sobre si mesmas, formando estruturas fechadas, o que provoca um apresamento do gás coronal. Nas regiões próximas aos polos, ao contrário, as linhas do campo são abertas, e o vento solar pode fluir mais livremente.

Figura 17. A coroa solar, com linhas do campo magnético. (SWO)

Na figura 18, da missão SOHO, as regiões de saída (azul) ou entrada (vermelho) do gás são mostradas em detalhe.

Figura 18. A coroa solar, destacando as regiões em que o gás sai da superfície solar (em azul) e as regiões em que o gás entra (em vermelho) (SOHO/ESA/NASA).

Embora o vento solar não tenha efeito apreciável sobre a evolução do próprio Sol, o mesmo não pode ser dito de sua influência sobre a Terra, principalmente nas épocas em que o Sol está mais ativo, como indicado por exemplo pelo ciclo de 11 anos das manchas solares. Nesse caso, o vento é mais intenso, ocorrendo frequentes flares, ou explosões solares, seguidas de ejeções coronais de massa equivalente à da própria Terra. Esses fenômenos influem significativamente na ionosfera terrestre, no campo magnético da Terra, nas auroras e nas comunicações em nosso planeta.

Em resumo, a estrutura do Sol pode ser esquematizada como na figura 19, onde estão mostradas as seguintes regiões: o interior solar, onde está localizado o caroço solar que mantém as reações nucleares, as camadas radiativa e convectiva de transporte de energia, a fotosfera, a atmosfera externa, compreendendo a cromosfera e a coroa, e o vento solar.

Figura 19. O sol - interior, fotosfera, cromosfera, coroa e vento solar. (Pearson Education)

VENTOS ESTELARES: OBSERVAÇÕES

Diversos tipos de observações apresentam evidências de ventos estelares, particularmente no caso de estrelas jovens e quentes, das estrelas centrais de nebulosas planetárias e das estrelas evoluídas, luminosas e frias. Algumas dessas evidências são baseadas em imageamento, tanto no visível como em outros comprimentos de onda, mas também há evidências quantitativas baseadas nos perfis P Cyg, na linha H-alfa em emissão, no excesso infravermelho e rádio observado, tanto de origem na própria estrela como produzido por poeira, e na emissão molecular em estrelas frias.

Entre os mais espetaculares exemplos de ventos estelares estão certamente os ventos de estrelas jovens e quentes, que estão frequentemente associadas com as regiões de formação estelar. Por exemplo, a nebulosa Rosette, ou NGC 2237, é uma nebulosa de emissão brilhante claramente associada a um aglomerado aberto de estrelas, NGC 2244 (figura 20, esquerda). As estrelas desse aglomerado são quentes, brilhantes e jovens, com idades da ordem de 4 milhões de anos, ou seja, muito mais jovens que o Sol, cuja idade é da ordem de 4,5 bilhões de anos. O brilho observado da nebulosa deve-se à fotoionização causada pelos fótons ultravioletas emitidos pelas estrelas do aglomerado. Essas estrelas apresentam um vento muito intenso, como pode ser visto pelo "buraco" formado na região central da nebulosa. Um outro exemplo de uma "bolha" de gás e poeira formada pelo vento e pela radiação de estrelas jovens e quentes é a nebulosa RCW 79, na constelação Centaurus (figura 20, direita). Nesta imagem do Spitzer Space Telescope, a cor vermelha é devida à emissão infravermelha dos grãos de poeira imersos na nebulosa. Note a presença de estrelas jovens (pontos amarelados na imagem) cuja formação foi acelerada pela expansão do gás em direção ao espaço interestelar.

Figura 20. Esquerda: A Nebulosa Rosette, em Monoceros, contendo no centro um aglomerado de estrelas jovens. (R. Crisp) Direita: A nebulosa RCW 79, mostrando uma bolha de gás e poeira formado por ventos e radiação. (E. Churchwell/JPL/NASA)

Uma nebulosa de emissão com a presença de ventos estelares é a Nebulosa Omega, ou M17, na constelação Sagittarius (figura 21). Nesse caso, as estrelas quentes responsáveis pelo brilho da nebulosa estão localizadas acima e à esquerda da figura, e os ventos dessas estrelas produzem uma silhueta caprichosa nas nuvens de gás e poeira associadas à região de formação estelar situadas na parte inferior e à direita da imagem.

Figura 21. A Nebulosa Omega, ou M17, em Sagittarius. (HST)

Outro exemplo de uma nuvem de escura de poeira interestelar modelada pela ação de ventos estelares e da radiação das estrelas pode ser observado na Nebulosa Cabeça de Cavalo (figura 22), parte do complexo conhecido como Nebulosa de Orion.

Figura 22. A Nebulosa Cabeça de Cavalo, uma nebulosa escura na região da Nebulosa de Orion. (CFHT)

Este complexo está localizado na Constelação de Orion (figura 23, esquerda), próximo das 3 Marias, e contém estrelas jovens e brilhantes, poeira, nebulosas iluminadas por estrelas muito quentes, formando regiões de hidrogênio ionizado, ou regiões HII (figura 23, direita), e também regiões iluminadas por estrelas não muito quentes, ou nebulosas de reflexão. Note as estrelas do "Trapézio", um conjunto de estrelas jovens no centro da imagem, que apresentam ventos intensos.

Figura 23. Esquerda: A constelação de Orion com as 3 Marias, e assinalando a posição da Nebulosa de Orion. Direita: Imagem da Nebulosa de Orion no infravermelho próximo. (VLT/ESO)

Uma estrutura interessante, também causada pelos ventos de estrelas jovens, pode ser observada nas proximidades da estrela variável LL Orionis (figura 24). O vento energético produzido por esta estrela interage com o gás que se move mais lentamente na Nebulosa de Orion, produzindo uma frente de choque, semelhante à que é produzida quando um barco avança sobre a água. O gás mais lento afasta-se da região do Trapézio, situado abaixo e à direita na figura. A estrutura curva que observamos na parte central da imagem é o bow shock, ou seja, a frente de choque em forma de arco criada pela interação do vento da estrela LL Orionis com o gás da nebulosa.

Figura 24. A estrela variável LL Orionis, apresentando um choque em arco. (HST)

Ainda no complexo da Nebulosa de Orion, um outro objeto interessante é a Nebulosa de Kleinman-Low (figura 25). Nesta região há um aglomerado de estrelas jovens e em formação embebidas em uma nuvem de gás molecular e poeira. Na parte infravermelha do espectro eletromagnético, esta região é muito brilhante, como mostra a figura. As estruturas em forma de dedos são causadas pelos ventos das estrelas jovens e massivas do aglomerado.

Figura 25. A Nebulosa de Kleinman-Low. (SUBARU, NAOJ)

A combinação de estrelas jovens, gás, poeira e ventos estelares pode produzir imagens como a da Nebulosa do Cone, na região de formação estelar NGC 2264 (figura 26). Neste caso, a estrela responsável pelo vento está localizada fora da figura, na parte superior.

Figura 26. Nebulose do Cone, NGC 2244. (HST, NASA)

Imagens de ventos de estrelas jovens não estão limitadas à nossa própria Galáxia, a Via Láctea. As Nuvens de Magalhães, compreendendo a Grande Nuvem (LMC) e a Pequena Nuvem (SMC), são um par de galáxias satélites da nossa, onde podemos também observar essas estruturas. A imagem da figura 27 mostra a nebulosa BAT 99-2 na LMC, associada a uma estrela do tipo Wolf-Rayet, extremamente quente, massiva e luminosa. O vento estelar deste objeto produziu uma espécie de bolha cósmica, parte da qual pode ainda ser observada na forma de um grande arco na parte inferior da imagem. As diferentes cores representam emissão por diferentes íons, como o H ionizado (vermelho), hélio (azul) e oxigênio (verde).

Figura 27. A nebulosa BAT 99-2, na Grande Nuvem de Magalhães. (ESO)

Do ponto de vista quantitativo, os ventos estelares podem ser melhor estudados a partir da observação de perfis P Cyg em estrelas quentes ou outras estrelas. Em primeira aproximação, as linhas espectrais formadas nas atmosferas das estrelas, tanto em emissão quanto em absorção, são aproximadamente simétricas, e o comprimento de onda central é essencialmente o comprimento de onda de maior absorção ou emissão. No caso de uma linha espectral formada em um vento estelar, as variações da velocidade do gás na expansão produzem modificações profundas no espectro, gerando os chamados "perfis P Cyg", onde a emissão está deslocada para maiores comprimentos de onda com relação ao comprimento de onda central, e a região de absorção está deslocada para os menores comprimentos de onda (figura 28).

Figura 28. Exemplos de espectros com perfis P Cyg, indicativos de perda de massa por ventos estelares. Note os perfis P Cyg na linha do OVI em 1030 A. (FUSE)

Esse tipo de perfil foi observado incialmente na estrela P Cyg, uma estrela supergigante quente cujas observações remontam ao início do século XVII. Um modelo simples de um gás em expansão é capaz de explicar a natureza dos perfis P Cyg (figura 29). Nesse modelo, a componente de absorção é formada nas camadas entre a estrela e o observador (parte azul na figura 29), com velocidades que variam entre zero (ou seja, o centro da linha) e a velocidade máxima do vento, geralmente representada como a velocidade terminal ou velocidade no infinito. Já a componente de emissão é produzida nas outras camadas da estrela, em particular aquelas que não estão localizadas entre a estrela e o observador. Essas camadas têm velocidades negativas (referentes às partes que se aproximam do observador) ou positivas (referentes às partes que se afastam do observador), como indicado pelas setas vermelhas na figura 29. O resultado é um perfil P Cyg, como mostrado na figura.

Figura 29. Modelo para explicar a origem dos perfis P Cygni. (S. Owocki)

Além dos perfis P Cyg, outros indícios de ventos são conhecidos, que permitem um estudo quantitativo da perda de massa. Estrelas frias, em particular as estrelas gigantes e supergigantes de tipos espectrais avançados, apresentam ventos intensos, revelando elevada taxa de perda de massa, embora as velocidades observadas dos ventos sejam consideravelmente menores do que nas estrelas mais quentes e jovens. As evidências observacionais desses ventos incluem a emissão molecular de CO, H2O, SiO e OH nos envelopes circunstelares desses objetos, observada na região milimétrica do espectro. (figura 30). Essas linhas podem geralmente ser distinguidas das linhas fotosféricas da estrela (que não estão em expansão) por serem em geral muito mais largas e por terem grandes desvios para o vermelho.

Figura 30. Exemplos de perfis de emissão molecular nas estrelas frias CRL 2688 e CIT 6, no caso produzidos por transições rotacionais da molécula de CO. (Knapp/Morris)

Também no caso de estrelas gigantes e supergigantes frias, pode-se observar frequentemente um excesso de emissão na região infravermelha do espectro, tomado com relação à emissão normal que se espera de uma estrela com temperaturas efetivas da ordem de 2000 a 3000 K. Esse excesso de emissão é devido à poeira de natureza circunstelar, e pode ser utilizado também para estudar a perda de massa desses objetos (figura 31).

Figura 31. Exemplo de emissão infravermelha causada pela poeira circunstelar na estrela AFGL 1141. Note o excesso na região de 10 micra, tomado com relação à emissão fotosférica da estrela, mostrada pela linha pontilhada. (S. Lorenz)

Excesso de emissão infravermelha e rádio pode também ser observado em estrelas quentes, como mostrado na figura 32 para P Cyg, uma estrela variável azul luminosa (LBV). Nesse caso, o excesso não é devido aos grãos de poeira, cujas temperaturas de condensação são geralmente mais baixas que as temperaturas nos envelopes dessas estrelas. A causa do excesso de radiação é a emissão livre-livre, ou Bremsstrahlung, produzida por transições no contínuo resultantes da interação de íons e elétrons.

Figura 32. Exemplo de excesso de emissão infravermelha e rádio causada pela emissão livre-livre, ou Bremsstrahlung nos envelopes de estrelas quentes. Note o comportamento do espectro na faixa rádio, caracterizado por uma lei de potência com expoente -0.6 (linha pontilhada). A linha tracejada mostra o espectro esperado por uma fotosfera hidrostática.(Lamers/Cassinelli)

Com exceção do Sol, é extremamente difícil conseguir imagens das estrelas. A combinação de suas grandes distâncias e pequeno tamanho angular impede que imagens detalhadas sejam obtidas, de modo que quase todas as estrelas são observadas como fontes pontuais, mesmo com os maiores telescópios. Uma das principais exceções é, justamente, uma estrela supergigante vermelha, a estrela Betelgeuse, ou Alfa Orionis, cuja imagem foi obtida pela primeira vez em 1995 pelo Hubble Space Telescope (figura 33). Essa estrela é muito brilhante, podendo ser observada a olho nu na constelação de Orion. Naturalmente, só foi possível conseguir uma imagem dessa estrela devido ao seu grande diâmetro, que é superior a 10 UA, ou 1500 milhões de km, cerca de mil vezes o do Sol. Betelgeuse, como outras gigantes e supergigantes quentes, apresenta um vento intenso, com velocidades da ordem de 10 km/s e uma taxa de perda de massa 100 milhões de vezes maior que a do Sol.

Figura 33. Imagem ultravioleta da estrela supergigante vermelha Betelgeuse, com tipo espectral A2Ia. (HST)

Os ventos estelares estão, portanto, também associados a estrelas gigantes e supergigantes frias, objetos mais evoluídos, com idades da ordem de alguns giga anos. Há evidências de ventos na fase de gigante e supergigante vermelha e também na fase posterior, quando as camadas externas da estrela são ejetadas, formando nebulosas planetárias. Muitos exemplos de nebulosas planetárias são conhecidos, havendo mais de mil objetos estudados na nossa Galáxia e nas Nuvens de Magalhães, além das nebulosas das outras galáxias do Grupo Local. A figura 34 mostra a nebulosa NGC 3132 (esquerda), e NGC 6543 (direita). Em alguns casos a estrela central remanescente pode ser observada, a qual está evoluindo em direção ao ramo das estrelas anãs brancas. Objetos como NGC 6543 são extremamente complexos, apresentando múltiplas camadas, evidências de choques, emissão de raios X, etc.

Figura 34. As nebulosas planetária NGC 3132 (esquerda) e NGC 6543 (direita). Note a estrela central de NGC 3132, indicada pela seta. No caso de NGC 6543, a foto mostra imagens superpostas no óptico e no ultravioleta, com múltiplas camadas e regiões brilhantes onde se observa emissão de raios X. (HST)

A teoria mais aceita sobre a origem das nebulosas planetárias admite que elas são formadas pela interação de dois ventos estelares: o vento frio e lento da gigante ou supergigante vermelha, progenitora da nebulosa, e o vento quente e rápido da estrela central da nebulosa, que é essencialmente formada pelas camadas mais internas da estrela original (figura 35). Ambos podem ser ventos massivos, no sentido de uma alta taxa de perda de massa, mas o vento lento tem velocidades tipicamente de 10 ou 20 km/s, enquanto que o vento da estrela central é muito mais rápido, alcançando alguns milhares de km/s, da mesma forma que as estrelas supergigantes quentes. No processo de formação das nebulosas são produzidos choques, que causam emissão em raios X, que têm sido recentemente observados em alguns objetos.

Figura 35. Esquema de formação de uma nebulosa planetária pela teoria de interação de ventos. (S.Kwok)

Um caso interessante de ejeção de massa em uma estrela evoluída é o da estrela Eta Carinae, uma supergigante luminosa embebida na Nebulosa de Carina, NGC 3372 (figura 36). A estrela está localizada dentro de uma nuvem amarelada à esquerda e abaixo do centro desta imagem obtida no visível. Na faixa infravermelha do espectro, a estrela é muito brilhante, devido à sua temperatura, como pode ser visto na figura inserida na imagem, obtida na faixa de 2 micra. Eta Carinae tem (ou teve) massa da ordem de 100 massas solares, é um sistema binário, e já sofreu diversos processos de ejeção de matéria em uma escala de tempo relativamente curta. Esses processos são acompanhados por uma grande variação luminosa, que tem sido observada desde o tempo de Halley, na segunda metade do século XVII. Parte do material observado na nebulosa deve-se a essas ejeções ocorridas no passado.

Figura 36. Nebulosa em Eta Carinae, NGC 3372 no visível. No detalhe, a estrela Eta Car no infravermelho, na faixa de 2 micra. (2MASS)

Mais recentemente, Eta Car foi observada pelo HST, que confirmou as ejeções de matéria, associando-as às variações de brilho observadas (figura 37, esquerda). Além disso, observações do observatório de raios X Chandra, revelaram um anel em torno da estrela, possivelmente resultado das colisões do material ejetado a grandes velocidades com o gás e a poeira na Nebulosa de Carina. (figura 37, direita).

Figura 37. Esquerda: Eta Carinae, observada pelo Hubble Space Telescope. Direita: Eta Carinae, observada pelo Chandra. (HST)

No caso do Sol, vimos que a taxa de perda de massa é extremamente baixa, de modo que nas demais estrelas anãs semelhantes ao Sol deveríamos em princípio esperar algo também semelhante. Nesse caso, os ventos não seriam então diretamente observáveis, devido à sua baixa intensidade. Entretanto, observamos emissão de raios X em anãs frias, sugerindo a presença de coroas semelhantes à coroa solar, com temperaturas da ordem de um milhão de graus Kelvin. De fato, na extremidade fria do diagrama HR pode ser identificada uma linha inclinada com relação ao eixo das temperaturas, à esquerda da qual são observadas evidências de cromosferas e coroas quentes, enquanto que à direita há evidências de ventos intensos, mas não dessas estruturas coronais. Outras evidências indiretas poderiam ser um decréscimo na taxa de rotação, sugerindo a ação de um torque causado pelo vento.

Finalmente, podemos notar um caso interessante, sugerindo a possível associação de ventos estelares a estrelas mais velhas, na supernova 1987a, a supernova mais brilhante observada em tempos recentes, surgida em 1987 na Grande Nuvem de Magalhães (LMC). Supernovas são formadas por estrelas isoladas ou binárias massivas, em seu estágio final de evolução. Nessa fase, a pressão do gás nas regiões internas da estrela não consegue mais suportar o peso das camadas mais externas, que colapsam, causando a explosão e gerando ondas de choque de grande intensidade, e levando à destruição de parte ou de toda a estrela. Os remanescentes da explosão são geralmente um objeto colapsado central e uma nebulosa em expansão, chamada resto de supernova, como observado na figura 8 para a Nebulosa do Caranguejo, remanescente de uma supernova surgida em 1054 AD. O processo em si de formação de uma supernova não envolve um vento estelar, sendo de fato um processo muito mais rápido e catastrófico. Entretanto, observações recentes do satélite Hubble mostraram a presença de anéis em torno da região onde houve a explosão, como visto na figura 38. A origem desses anéis não é clara, mas uma possibilidade seria a superposição de dois ventos estelares ionizados pela explosão da estrela.

Figura 38. Anéis em torno da supernova 1987a na Grande Nuvem de Magalhães. (HST)

VENTOS ESTELARES: TEORIA

Uma das propriedades mais importantes das estrelas, como o Sol, é o fato de estarem em equilíbrio hidrostático, isto é, em cada ponto do interior ou da atmosfera estelar existe um equilíbrio entre a força gravitacional das partes internas da estrela, que tende a puxar a matéria para dentro, e as forças de pressão, devidas ao gradiente de pressão, que têm o efeito oposto (Box 4). O fato do Sol ser uma estrela estável e ter mantido esta estabilidade por vários bilhões de anos está baseado neste equilíbrio. Naturalmente, o equilíbrio hidrostático não prevalece durante toda a vida de uma estrela. Por exemplo, no início de sua evolução, quando o gás na nuvem interestelar que vai formar a estrela está colapsando, o termo gravitacional na equação do movimento domina o termo de pressão, e por essa razão a estrela colapsa. Da mesma forma, daqui a alguns bilhões de anos, o Sol esgotará seu combustível nuclear, e sofrerá um novo colapso de suas camadas internas, que no futuro se tornarão uma estrela anã branca, enquanto que suas camadas externas serão ejetadas para o meio interestelar, transformando-se em uma nebulosa planetária. Em ambos os casos, o equilíbrio hidrostático não mais prevalecerá.

Portanto, durante sua evolução, as estrelas podem desobedecer a condição de equilíbrio hidrostático. Por exemplo, estrelas muito quentes e luminosas, as supergigantes de tipos espectrais O ou B, têm um excesso de fótons de grande energia, que transportam também quantidade de movimento. Isso significa que existe uma pressão - a pressão da radiação - que contribui junto com a pressão do gás para contrabalançar a força gravitacional (Box 5).

Nas estrelas menos luminosas, como o Sol, essa contribuiçãao não é importante, mas nas supergigantes quentes ela pode ser dominante a ponto de suplantar a força gravitacional. O resultado é que a estrela não é mais estável, o equilíbrio hidrostático não mais prevalece, e as camadas externas são ejetadas. Para isso a estrela precisa ter grande massa, e é possível mostrar que existe um limite para a luminosidade de uma estrela de massa dada - o limite de Eddington - acima do qual a estrela não é mais estável (Box 6).

No caso de ausência de equilíbrio hidrostático, a equação que o exprime deve ser substituída por uma equação mais geral - a equação de Euler - que leva em conta, além da gravidade estelar, outras possíveis contribuições para a gravidade. Alguns exemplos são: a pressão da radiação estelar, que pode atuar em íons, átomos, moléculas ou mesmo grãos sólidos, caso esses existam nas atmosferas das estrelas; a contribuição do fluxo mecânico de energia, como ocorre na dissipação de ondas e na presença de um campo magnético e de ondas de Alfven; ou ainda em um processo coronal, como no caso do Sol, em que um gás muito quente (a coroa) se expande, avançando em direção ao meio interestelar.

A equação de Euler não é a única equação necessária para descrever o vento, que é essencialmente um escoamento hidrodinâmico das camadas mais externas de uma estrela. Necessitamos ainda da equação de continuidade, que traduz a conservação da massa (ver o Box 3), e da equação de energia que, em princípio, leva em conta todos os processos de ganho e perda de energia. A equação de continuidade pode ser escrita de maneira simples nos principais sistemas de coordenadas, mas a equação de Euler e, principalmente, a equação de energia, podem ser extremamente complexas. Uma simplificação às vezes adotada consiste em admitir que o vento é isotérmico. Isso torna a equaçáo de energia muito simples, pois ela é escrita simplesmente como: T = constante. Naturalmente, isso implica em admitir a existência de um processo - não especificado - que mantém a temperatura do gás constante, em vez de diminuir à medida que o gás se expande, como seria de se esperar. Essa aproximação pode ser usada com algum sucesso no caso do vento solar, mas falha em outros tipos de ventos em que a variação da temperatura tem um papel essencial na ejeção de matéria. Outra simplificação também adotada às vezes é admitir que a expansão é adiabática, isto é, o gás no envelope da estrela é considerado isolado, e não troca energia com o meio ambiente. Essa hipótese pode ser defendida em alguns casos, e permite uma variação da temperatura mais próxima dos casos reais. O Box 7 mostra as principais equações hidrodinâmicas dos ventos, no caso de uma estrela esférica.

Além das equações hidrodinâmicas usuais, pode ser necessário incluir algumas equações adicionais, como a equação de estado, que é geralmente muito simples nos envelopes estelares, podendo ser admitida frequentemente como uma equação de estado dos gases perfeitos. Outra equação, muito mais complexa, é a equação de transporte radiativo, que frequentemente é necessária, principalmente nos processos envolvendo a pressão da radiação estelar. Nesse caso, é preciso levar em conta que os processos de emissão e absorção são afetados pelo movimento do gás no envelope, isto é, existe uma interdependência entre a posição e velocidade do gás e o fluxo radiativo, cuja solução é extremamente difícil, sendo necessário o uso de aproximações, como a aproximação de Sobolev.

Como soluções das equações hidrodinâmicas, podemos obter o perfil de velocidade, isto é, a variação da velocidade do vento com a posição, desde a base do envelope estelar, que está geralmente próxima da fotosfera, até a região onde o vento alcança sua velocidade terminal. Modelos simples, como por exemplo no caso de ventos isotérmicos, permitem obter soluções analíticas, como mostrado na figura 39. Mesmo nesse caso, a toplogia das soluções é relativamente complexa, e pode ser mostrado que existe apenas uma solução que começa subsônica na base do envelope e alcança velocidades supersônicas até atingir a velocidade terminal. Essa solução é a chamada "solução crítica" e sua obtenção fixa a taxa de perda de massa da estrela.

Figura 39. Soluções das equações hidrodinâmicas dos ventos estelares no caso isotérmico. A solução crítica (linha sólida) é a única solução fisicamente aceitável que passa do regime subsônico para o regime supersônico.

O perfil de densidade no envelope pode também ser obtido, uma vez que a densidade e a velocidade estão relacionadas, por exemplo, pela equação de continuidade. As soluções nos casos mais realísticos são muito mais complexas e, de fato, uma lei de velocidade contínua em todo o envelope estelar é possivelmente uma aproximação, uma vez que existem processos de instabilidade geralmente associados com os ventos que introduzem variações erráticas e turbulência na estrutura do vento, como exemplificado na figura 40.

Figura 40. Exemplo de uma lei de velocidade e de densidades na presença de instabilidades. (S. Owocki)

As quantidades determinadas com os modelos de ventos estelares são, portanto, os perfis de velocidade e densidade, dos quais pode-se em geral obter as variações da pressão e da temperatura; a taxa de perda de massa, a velocidade inicial do vento e sua velocidade terminal. Modelos mais complexos devem também ser capazes de prever as intensidades das linhas de emissão ou absorção formadas no vento e, a partir delas, inferir sua composição química. Naturalmente, esses resultados devem ser confrontados com os dados observacionais, em particular com as observações de perfis P Cygni, e outras propriedades das estrelas, como sua temperatura efetiva e luminosidade. Este é um problema complexo e, de fato, o estudo dos ventos estelares é atualmente um ativo campo de pesquisa em Astrofísica.

BIBLIOGRAFIA

  • Dyson, J. D., Williams, D. A., The physics of the interstellar medium, IOP, 1997

  • Lamers, H., Cassinelli, J. P., Introduction to stellar winds, Cambridge, 1999

  • Maciel, W. J., Astrofísica do Meio Interestelar, Edusp, 2003

  • Maciel, W. J., Hidrodinâmica e ventos estelares: uma introdução, Edusp, 2005

  • Maciel, W. J., Introdução à estrutura e evolução estelar, Edusp, 1999

  • Mihalas, D., Stellar atmospheres, Freeman, 1978


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