A MEDIDA DO UNIVERSO

Walter J. Maciel

IAG/USP

[Trabalho apresentado no Curso de Astronomia para terceira idade, IAG/USP, 2001-2002]


Neste texto, apresentamos um resumo da palestra intitulada A medida do Universo, apresentada no curso de Astronomia para terceira idade, realizado no IAG/USP, em 2001 e 2002. Apresentamos uma descrição dos elementos fundamentais que constituem a estrutura do Universo, em uma abordagem que vai desde o planeta Terra, onde habitamos, até os aglomerados de galáxias e grandes estruturas do Universo.


Nossa viagem começa em nosso próprio planeta – a Terra – uma esfera de raio de 6.400 km que gira em torno de uma estrela, o Sol. A Terra nos é muito familiar, de modo que não nos damos conta de quanto é difícil encontrar condições semelhantes em todo o Universo. Essas condições, incluindo as pequenas variações de temperatura e pressão, a densidade do ar, a umidade e, acima de tudo, a absorção da energia que vem do Sol, são muito peculiares, constituindo o produto de vários fatores. Por exemplo, as dimensões do planeta, em particular sua massa, devem ser restritas para que a vida pudesse ter surgido. A posição na órbita em torno do Sol é também um fator fundamental, regulando a incidência de energia e a distribuição de temperatura no solo. A composição química também deve refletir as necessidades impostas pela vida, como a abundância de oxigênio. Hoje são conhecidos muitos planetas, mas todos são de grandes dimensões, semelhantes a Júpiter, os quais não reúnem as condições necessárias para o surgimento e manutenção da vida.

Avançando um pouco além, encontramos a Lua, um satélite bem menor do que a Terra, com um raio da ordem de 1.700 km, e massa pequena demais para reter uma atmosfera respirável (cerca de 1,2% da massa terrestre). Apesar da pequena distância que nos separa da Lua, cerca de 384.000 km, esta é a maior distância que o homem conseguiu percorrer no espaço, o que mostra quanto estamos longe de conquistar o cosmo.

A maior parte da informação que os astrônomos conseguem obter vem da luz das estrelas e de outros objetos, mas existem casos especiais em que podemos realizar experimentos e testes com pedaços de corpos que caem do céu. Os meteoritos são um bom exemplo, e refletem as condições do meio interplanetário, chegando até nós de maneira mais ou menos aleatória. Outros corpos que se aproximam bastante de nós são os cometas, que podem ser muito brilhantes, contendo um núcleo de gelo e poeira, uma cabeleira e a cauda, que contém partículas carregadas e poeira.Vários desses cometas são periódicos, e sua volta pode então ser prevista com bastante antecedência.

O cometa Hale-Bopp (AAC)

Os asteróides são também membros do sistema solar, variando em tamanho desde pequenas rochas até atingir dimensões de satélites ou pequenos planetas. Mas os elementos dominantes do espaço interplanetário são mesmo os planetas, principalmente os gigantes como Júpiter e Saturno. Esses planetas são "quase estrelas" – em seu processo de formação atingiram massas muito altas, mais de 300 massas terrestres no caso de Júpiter e cerca de 95 massas terrestres no caso de Saturno. Esses planetas têm raios enormes, 11 raios terrestres para Júpiter e quase 10 raios terrestres para Saturno. Em comparação, um planeta como Vênus é mais parecido com a Terra, com um raio de 0,95 do raio terrestre e 0,8 de sua massa.

A principal figura do sistema solar é, naturalmente, o Sol. Ele é uma estrela anã, com um raio de 7 x 1010 cm, ou seja, cerca de 700 mil quilômetros. Sua massa é de 2 x 1033 g, ou 300 mil vezes maior que a da Terra. Outras estrelas podem ser muito maiores; as gigantes e supergigantes podem ter raios até mil vezes maiores do que o Sol. Uma característica interessante do Sol é sua temperatura. Ela é da ordem de 6.000 graus na sua superfície, e é por isso que o Sol tem uma cor amarelada. Outras estrelas, mais quentes, podem ter cores azuladas, e as mais frias são avermelhadas.

O Sol na luz visível, com manchas (SOHO)

A temperatura do Sol não é constante, mas aumenta muito à medida que nos aproximamos de seu núcleo. Isto é extremamente importante, pois são as altas temperaturas das regiões centrais do Sol – cerca de dezenas de milhões de graus – que permitem que os núcleos de hidrogênio se transformem em núcleos de hélio, constituindo as reações termonucleares que produzem a energia emitida pelo Sol. é interessante dizer que o Sol – e os outros objetos que podemos observar – são muito diferentes dependendo do tipo de instrumento que utilizamos. Os telescópios clássicos, assim como nossos olhos, conseguem "enxergar" apenas a chamada radiação visível, ondas com comprimentos de aproximadamente 5.000 angstroms. Ondas mais curtas, como as da radiação ultravioleta, ou dos raios X, podem ser observados com detectores apropriados. Esses detectores observam a radiação emitida nessas regiões, que pode ser muito diferente da radiação visível. Portanto, o Sol é muito diferente quando observado na radiação visível ou na radiação ultravioleta, por exemplo.

As demais estrelas podem ser como o Sol: isoladas, amarelas e pequenas, mas podem também ocorrer aos pares, quando são chamadas de "estrelas binárias", ou em grupos maiores, como os aglomerados abertos, com até centenas de estrelas, e os aglomerados globulares, com centenas de milhares de estrelas. Esses aglomerados são muito importantes para o estudo da evolução das estrelas, pois suas estrelas foram formadas ao mesmo tempo e de uma mesma nuvem de gás, de modo que sua composição química deve ser muito parecida.

O aglomerado globular 47 Tuc (W. Keel)

Um aglomerado aberto muito conhecido são as Plêiades, que podem ser vistas facilmente, próximas à constelação do Touro, e às vezes são chamadas de "Sete Estrelas". Esses aglomerados são relativamente jovens, e suas idades são da ordem de até um Giga ano, que corresponde a menos do que um bilhão de anos. Em Astronomia, as idades são muito grandes: o Sol e a Terra têm idades de cerca de 4,5 bilhões de anos, e a nossa Galáxia deve ter mais de 10 bilhões de anos. Uma estrela como o Sol dura pelo menos 7 bilhões de anos, mas as estrelas maiores e com massas maiores duram muito menos, cerca de alguns milhões de anos, o que é uma idade pequena, em termos astronômicos… Mas podemos observar estrelas que acabaram de nascer, nos chamados "berçários cósmicos", como as regiões HII, nas quais os átomos de hidrogênio estão ionizados, isto é, perderam o elétron que girava em torno dos núcleos. Uma das regiões HII mais conhecidas é a Nebulosa de órion, onde são observadas estrelas muito jovens e quentes, nuvens contendo moléculas complexas e emissão na faixa infravermelha do espectro.

A Nebulosa de Órion, uma região HII (J. Ware)

Da mesma maneira que observamos estrelas jovens, como as chamadas estrelas T Tauri, ou as estrelas quentes embebidas em regiões de hidrogênio ionizado, podemos também observar estrelas velhas, nos seus estágios finais de evolução. Nesse caso, é importante distinguir as estrelas pequenas, com massas semelhantes à massa do Sol, e as estrelas de grande massa, digamos, acima de dez vezes a massa do Sol. No caso das primeiras, que é o caso do Sol, em seus estágios finais essas estrelas sofrem o colapso de seu núcleo, isto é, as camadas internas não conseguem suportar o peso das camadas situadas acima delas, que desabam sobre o núcleo. Isso acontece quando se esgota o hidrogênio combustível que existe no centro das estrelas. Então, a temperatura central aumenta muito, e as camadas externas da estrela são expelidas, formando uma nebulosa planetária, que é uma nuvem de gás e poeira em volta de uma estrela colapsada. Isso vai acontecer com o Sol daqui a alguns bilhões de anos.

A nebulosa planetária NGC 7293 (AAO)

Se a massa da estrela for alta, da ordem e acima de dez massas solares, o colapso é mais violento, e o processo de expulsão das camadas externas também, podendo eventualmente explodir a estrela inteira. Esse é o fenômeno conhecido como uma "supernova", e várias supernovas já foram observadas, confirmando a teoria. Após algum tempo, que pode ser da ordem de milhares de anos, essas supernovas deixam vestígios no céu, os restos ou remanescentes de supernovas, que são filamentos longos e complexos de gás, contendo partículas carregadas e campos magnéticos.

Finalmente, se a massa da estrela for realmente muito alta, acima de vinte ou trinta massas solares, o colapso final será extremamente violento e nada poderá detê-lo: forma-se então um buraco negro, com um campo gravitacional tão forte que nem a luz consegue escapar. Naturalmente, nesse caso sua detecção e observação são muito difíceis, e é necessário encontrar um sistema binário, em que uma das estrelas é a estrela colapsada. Nesse caso, a queda de matéria sobre o buraco negro forma um disco de matéria muito quente, que emite raios X que podem ser detectados.

Os objetos que existem no espaço entre as estrelas podem ser muito complexos. Além das nebulosas planetárias, regiões HII e restos de supernovas, existem também nebulosas de reflexão, contendo grãos de poeira, as nuvens de hidrogênio neutro, que são nuvens gigantescas que se espalham pelo disco de nossa Galáxia, e as nebulosas escuras, como o famoso "Saco de Carvão", que pode ser observado próximo à constelação do Cruzeiro do Sul, ou a nebulosa da "Cabeça de Cavalo", na constelação de Órion.

A Nebulosa da Cabeça de Cavalo, em Órion (USNO)

As estrelas e o meio interestelar fazem parte de um sistema que está em constante evolução. Elas nascem a partir de nuvens de gás, queimam e consomem seu combustível nuclear, devolvendo depois parte ou toda a sua massa ao meio interestelar de onde vieram, para que outras gerações de estrelas sejam formadas. Esta "evolução química" é essencial para nossa existência: os átomos de carbono e outros elementos que constituem nossos corpos foram formados no interior de estrelas de uma geração que já não existe mais, de modo que somos todos filhos das estrelas.

Todos esses objetos – estrelas simples, binárias e múltiplas, aglomerados, nebulosas e nuvens de gás e poeira – estão imersos na Via Láctea, a nossa Galáxia. Podemos ver parte da Via Láctea a olho nu, em noites claras. Esta galáxia tem uma forma achatada, vista de lado, e apresenta um disco com braços espirais, vista de cima. O diâmetro do disco é da ordem de 50 mil parsecs, sendo um parsec igual a 3 x 1018 cm. Sua espessura é muito menor, da ordem de algumas centenas de parsecs, e todo o disco está envolto por um halo rarefeito, com um diâmetro duas vezes maior que o do disco. Não é muito fácil estudar a estrutura de nossa galáxia, pois estamos dentro dela e não temos a opção de sair e examiná-la de longe; mas podemos observar muitas outras galáxias externas, e várias dessas galáxias são semelhantes à nossa. Uma das mais conhecidas é a galáxia de Andrômeda, que é bastante semelhante à Via Láctea.

A galáxia de Andrômeda

Outras galáxias são observadas de topo, isto é, a partir de um eixo perpendicular ao disco, de modo que podemos observar mais claramente a existência de braços espirais semelhantes aos que existem na Via Láctea. Galáxias como essas podem ter algumas centenas de bilhões de estrelas. Sua massa é, portanto, de algumas centenas de bilhões de massas solares, ou ainda maior, se houver objetos não luminosos que não são detectados, o que constitui a chamada "matéria escura".

Nem todas as galáxias têm discos ou são espirais. As maiores são elípticas, e outras, geralmente pequenas, são totalmente irregulares, como as "Nuvens de Magalhães", duas galáxias que podem ser vistas a olho nu logo abaixo do Cruzeiro do Sul.

O aglomerado de galáxias de Hydra (AAO)

As galáxias não são as maiores estruturas que podemos ver. De fato, muitas delas estão agrupadas em "aglomerados de galáxias", em que um número de galáxias ocorre em uma mesma região do céu – evidenciando sua origem comum – separadas pelo meio intergaláctico, que é semelhante ao meio interestelar, mas ainda mais diluído e de difícil detecção. Grupos de galáxias podem apresentar efeitos curiosos, como o canibalismo galáctico, em que duas galáxias se interpenetram. Esses fenômentos têm sido bastante estudados, e estão associados com um aumento na taxa de formação das estrelas dessas galáxias. Além disso, a existência de grupos de galáxias é um passo além no estudo das estruturas em grande escala, da Cosmologia e da origem do Universo.


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