FRANÇOIS CUISINIER: O GATO DE CHESHIRE

Walter J. Maciel

IAG/USP

2013


A Astronomia Brasileira perdeu recentemente François Christophe Cuisinier, pesquisador e professor do Observatório do Valongo da UFRJ. Poucos talvez saibam, ou se lembrem, mas François veio para o Brasil a meu convite, para um estágio pós-doutoramento. Ele trabalhava no grupo de Agnes Acker, velha conhecida, e autora do principal catálogo de nebulosas planetárias, que substituiu o trabalho clássico de Perek e Kohoutek. Foi o primeiro pós-doc vindo de Strasbourg para nosso grupo, seguido mais tarde por Sophie Durand, talvez com menos sucesso.

Na época, nosso grupo no IAG estudava a composição química de nebulosas planetárias da Galáxia, em particular da vizinhança solar, convencido de que os resultados seriam uma peça fundamental para o estudo da evolução química da Galáxia e de outras galáxias espirais. Afinal, as nebulosas são formadas por estrelas com massas entre 0.8 e 8 massas solares na sequência principal e podem ser observadas em todas as regiões galácticas, de modo que cobrem um intervalo razoável de populações estelares, podendo dar informações sobre diversos aspectos da evolução galáctica. François havia terminado seu doutoramento em Strasbourg e tinha interessse em se aventurar por estes trópicos, mesmo que para alguns isso parecesse sem sentido. Veio para São Paulo, onde ficou dois anos, de 1996 a 1998. Neste período, fizemos um trabalho ainda hoje importante, com a determinação da composição química em nebulosas do bojo galáctico. Usamos dados obtidos no telescópio de 1.52 m do ESO em La Silla, em um prenúncio da utilização mais intensa dos equipamentos daquele observatório por grupos brasileiros, culminando com a recente adesão do Brasil à organização ESO.

Terminado o estágio pós-doutoramento, François decidiu ficar. Como Patan Deen Singh, mais de 20 anos antes, ficou e virou brasileiro, mais até do que muitos de nós. E, também como Singh, nos deixou cedo demais. Houve um concurso na UFRJ e François, com um bom curriculum e uma formação científica sólida, obteve uma posição permanente naquela universidade. Sobre seu período no Rio, outros podem falar muito melhor do que eu. Mas em seu período inicial em São Paulo, o que mais chamava a atenção não eram seus cabelos, já um tanto ralos, nem sua silhueta roliça (bons tempos), mas sua risada: sonora, despudorada, totalmente não européia, que podia ser ouvida dos fundos dos corredores do IAG ou nas reuniões da SAB. François era alsaciano, da velha e imprecisa Alsácia-Lorena que, periodicamente, oscilava entre França e Alemanha; mas não parecia francês nem alemão: para mim, era um belga, nascido no lugar errado.

Em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, há um personagem - o Gato de Cheshire - que aparece no alto de uma árvore e depois desaparece, mas seu sorriso permanece. François é uma espécie de Gato de Cheshire: ele se foi, mas sua risada sonora ficou na lembrança de todos que o conheceram.

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