Porque o Sol não arranca a Lua da Terra?

Explicação qualitativa

A força gravitacional entre a Terra e a Lua é cerca de 2,0 x 1020 N.
Já a força gravitacional entre o Sol e a Lua é aproximadamente 4,4 x 10 20 N.

Portanto ForçaSol-Lua = 2,2 x ForçaTerra-Lua. Então porque a Lua está em órbita da Terra?

Porque tanto a Terra como a Lua são atraídas pelo Sol com praticamente a mesma aceleração.
A Terra e a Lua acabam se movimentando juntas e não são separadas pela força do Sol.

A menos, é claro que a Terra e a Lua estivessem muito mais próximas do Sol.
Neste caso a pequena diferença de aceleração entre a Terra e o Sol e a Lua e o Sol poderia separar a Lua da Terra.
Mas para isto acontecer, a Terra e a Lua deveriam estar a 34 milhões de quilômetros do Sol, menos de 1/4 da distância atual.


Explicação um pouco mais quantitativa (e bem mais longa)

A Lua gira em torno da Terra em aproximadamente 27,32 dias, usando as estrelas como referência. Este é o período sideral, o período de translação medido em um referencial inercial.

Vamos imaginar um corpo em órbita da Terra, mais distante que a Lua. O período orbital será maior que os 27,32 dias da Lua. Aumentando a distância do corpo à Terra chegaremos em um momento onde o período de translação do corpo ao redor da Terra será igual ao período orbital da Terra ao redor do Sol, um ano. Nesta situação, o corpo estará efetivamente girando apenas em torno do Sol e não mais da Terra.

L2

O ponto que gira em torno do Sol com a mesma velocidade angular da Terra, $\omega_{\rm T}$, é chamado L2 na figura acima. Sua distância da Terra é $r_{\rm H}$.

No caso da Terra temos, usando a aceleração centrípeta e a aceleração gravitacional:

$$a_c = a_g \quad \Rightarrow \quad \frac{v^2}{r_{\rm TS}} =
G \frac{M_{\rm S}}{r_{\rm TS}^2} \, ,$$
onde $M_{\rm S}$ é a massa do Sol. Usando a velocidade angular, $\omega_{\rm T} = v/r_{\rm TS}$ podemos eliminar a velocidade e escrever:

$$ r_{\rm TS} \omega_{\rm T}^2 = G \frac{M_{\rm S}}{r_{\rm TS}^2} \quad
\Rightarrow \quad \omega_T^2 = G \frac{M_{\rm S}}{r_{\rm TS}^3} \, .$$

Para um corpo em L2, devemos levar em conta a atração gravitacional do Sol e da Terra. Assim, temos:

$$(r_{\rm H}+ r_{\rm TS}) \omega_{\rm L2}^2 = G \frac{M_{\rm S}}{(r_{\rm H} + r_{\rm TS})^2} + G \frac{M_{\rm T}}{r_{\rm H}^2} \quad \Rightarrow \quad
\omega_{\rm L2}^2 = G \left[\frac{M_{\rm S}}{(r_{\rm H} + r_{\rm TS})^3}+
\frac{M_{\rm T}}{r_{\rm H}^2(r_{\rm H} + r_{\rm TS})} \right]\, .
$$

O ponto L2 se encontra onde $\omega_{\rm T} = \omega_{\rm L2}$. Igualando as expressãoes acima temos:

$$ \frac{M_{\rm S}}{r_{\rm TS}^3} = \left[\frac{M_{\rm S}}{(r_{\rm H} + r_{\rm TS})^3}+\frac{M_{\rm T}}{r_{\rm H}^2(r_{\rm H} + r_{\rm TS})} \right]\, .$$

Para simplificar a notação, introduzimos $x \equiv r_{\rm H} / r_{\rm TS}$ e com alguma álgebra podemos escrever:

$$\frac{3+3x+x^2}{1+x^2} = \frac{M_{\rm T}}{M_{\rm S}} \, .$$

Esta é uma equação de 5° grau, sem solução analítica. Mas, se $x \ll 1$ (o que é o caso da Terra e do Sol) podemos usar a expansão em série:

$$\frac{3+3x+x^2}{1+x^2} \simeq 3x^3 - 3x^4 + 4 x^5 - 5 x^6 \ldots $$

Usando apenas o primeiro termo, obtemos finalmente:

$$3 x^3 = 3 \left(\frac{r_{\rm H}}{r_{\rm TS}}\right)^3 \simeq \frac{M_{\rm T}}{M_{\rm S}} \quad \Rightarrow \quad
\fbox{$r_{\rm H} \simeq r_{\rm TS} \left( \frac{M_{\rm T}}{3 M_{\rm S}} \right)^{1/3}\!$} , ~~ \mbox{para}~~ M_{\rm T} \ll M_{\rm S} \, .$$

O raio $r_\rm H$ define a chama esfera de Hill, em homenagem a George W. Hill (1838–1914) que estudou este problema na segunda metade do século 19.

Nesta análise, há várias aproximações, por exemplo, consideramos apenas órbitas circulares e coplanares, e não levamos em conta a ação gravitacional perturbadora dos outros planetas. Mesmo assim, a esfera de Hill é um bom parâmetro para avaliarmos se um corpo pode ou não estar em órbita de um planeta.

No caso da Terra, $r_{\rm H} \simeq\,$0,01 UA, isto é, cerca de 1,5 milhão de km. A Lua está a aproximadamente 384,4 mil km da Terra, portanto $r_{\rm TL} \simeq r_{\rm H}/4$. Em outras palavras, a Lua está confortavelmente dentro da esfera de influência gravitacional da Terra e podemos dizer que, sim, a Lua está em órbita da Terra.

A fórmula de $r_{\rm H}$ vale para qualquer planeta do Sistema Solar, basta substituir $M_{\rm T}$ e $r_{\rm TS}$ pela massa e distância do planeta ao Sol. Por exemplo, para Júpiter $r_{\rm H} \simeq\,$0,51 UA ou 77 milhão de km.

A propósito, L2 é um dos 5 pontos de Lagrange. O ponto L1 está localizado à mesma distância $r_{\rm H}$ da Terra mas na direção do Sol.


Veja o movimento da Terra e da Lua ilustrado aqui.

Mais sobre o movimento do Sistema Solar aqui.

Veja uma comparação do tamanho das órbitas do Sistema Solar aqui.


Gastão B. Lima Neto
IAG/USP
maio/2020