A NOVA DEFINIÇÃO DE PLANETA

 © Sylvio Ferraz Mello
  Grupo de Dinâmica de Sistemas Planetários
(IAG-USP)

Definição
Planetas: Da antiguidade aos asteróides
O caso de Plutão
As novas descobertas e a controvérsia que elas geraram
Os planetas extra-solares
 

Definição

A União Astronômica Internacional em sua Assembléia Geral de 24 de agosto de 2006 aprovou resolução segundo a qual um planeta é um corpo celeste que:

     (a)   
está em órbita ao redor do Sol;

(b)   tem forma determinada pelo equilíbrio hidrostático (arredondada) resultante do fato de que sua força de gravidade supera as forças de coesão dos materiais que o constituem;

(c)   é um objeto de dimensão predominante entre os objetos que se encontram em órbitas vizinhas.

Dessa definição resulta que o Sistema Solar possue apenas 8 (oito) planetas conhecidos: Mercúrio, Venus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Plutão perde o status de planeta que lhe havia sido atribuido por ocasião de sua descoberta como resultado de uma errônea avaliação de suas reais dimensões. (Versão oficial da resolução)

O item (c), responsável pela redução do Sistema Solar a 8 planetas tem uma base dinâmica muito clara. Se dois corpos se formam em órbitas muito próximas uma da outra, a probabilidade de que subsistam é mínima (mas a existência de planetas co-orbitais é matematicamente possível – existe mesmo a suspeita de um caso desse tipo nos sistemas planetários extra-solares recem descobertos). O mais provável é que venham a colidir. Por exemplo, um planeta que teria se formado entre a Terra e Marte poderia ter colidido com a Terra nos primórdios do Sistema Solar gerando os detritos de que se formou a Lua. Plutão existe em uma órbita que cruza a órbita de Netuno cuja estabilidade se deve ao fato de ser um corpo pequeno. Fosse maior e o seu destino mais provável teria sido uma colisão com Netuno e a sua destruição. É bom lembrar que um dos enigmas do Sistema Solar, o satélite Tritão (satélite de Netuno), provavelmente resultou de um evento singular em que, um objeto semelhante a Plutão, movendo-se em uma órbita ao redor do Sol, se aproximou de Netuno e foi capturado tornando-se um  satélite desse planeta.

Embora a definição adotada seja verborrágica, a realidade física que ela exprime é muito simples. São planetas aqueles corpos do Sistema Solar que se formaram acretando, dentro da nebulosa solar primitiva quase toda a matéria existente na vizinhança de suas órbitas. São corpos que se formaram num período de relativa abundância local de matéria. Não são planetas aqueles objetos que, embora também acretados dentro da nebulosa solar primitiva, não encontraram a abundância de matéria e as condições dinâmicas que seriam necessáriam para que atingissem as dimensões de outros objetos de sua imediata vizinhança permanecendo em uma órbita estável.

Da Antiguidade aos pequenos planetas 

Na antiguidade os astros que se viam no céu eram divididos em duas categories:

1)      as estrelas fixas,  “presas” no céu, em uma estrutura fixa, o firmamento, que gira ao redor da Terra fazendo com que vejamos as estrelas surgiram no horizonte, a leste, e desaparecerm a oeste.

2)      os sete astros visíveis que se movem entre as estrelas: Lua, Mercúrio, Venus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno, na ordem em que se situam na cosmologia grega. Eles eram chamados “planetas”, que em grego significa vagabundo, errante. Todos movendo-se ao redor da Terra.

Esses sete “planetas” aparecem em todas as cosmologias antigas e de alguma maneira foram responsáveis pela adoção da semana de sete dias em nossos calendários. Em algumas linguas, os nomes dos planetas são diretamente vinculados a esses sete astros. Por exemplo em ingles o sábado e o domingo se chamam Saturday e Sunday, os dias de Saturno e do Sol. Em espanhol esses dias se chamam como em português, mas os outros dias da semana são Lunes, Martes, Miércoles, Jueves e Viernes – os dias da Lua, de Marte, de Mercúrio, de Júpiter e de Venus.  

Na troca do geocentrismo pelo heliocentrismo, no início da Astronomia Moderna, o Sol foi colocado no centro do Sistema Solar e a Terra passou a ser um planeta em movimento ao redor do Sol. Nessa época os planetas passaram a ser seis: Mercúrio, Venus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno (em ordem crescente de distância ao Sol). A Lua passou a ter  um status distinto, o de um astro que se move em uma órbita ao redor de um planeta.

Nesse tempo, a definição de um planeta era clara. Um planeta é um astro que se move em uma órbita ao redor do Sol. E quando Urano foi descoberto por Herschel, em 1761, não houve discussão. Urano se movia em uma órbita ao redor do Sol. Era portanto mais um planeta, o sétimo. Em 1801, Piazzi descobriu Ceres. Uma vez mais não houve discussão. Ceres se movia em uma órbita ao redor do Sol e portanto era mais um planeta. A órbita de Ceres se situava em um imenso vazio existente entre as órbitas de Marte e Júpiter, e resolvia o enigma da existëncia dessa lacuna no sistema. Mas os anos seguintes trouxeram muitos outros “planetas” nessa mesma região: Palas, Juno, Vesta, ... e Herschel foi o primeiro a se manifestar observando que, ao contrário dos outros, esses “planetas” não apareciam como pequenos discos nos telescópis, mas apenas como pontos luminosos, indicando se tratarem de objetos muito menores. Herschel passou a chamá-los de “asteróides”.

Em 1846, Leverrier descobriu Netuno (a partir da análise dinâmica das observações de Urano), um planeta em uma órbita ainda mais longínqua que Netuno. Mas outros “planetas” continuavam ser descobertos entre as órbitas de Marte e Júpiter. Em 1860 eles ja eram muito mais do que 50, mostrando que se tratava de uma população com características próprias e distintas das dos 8 planetas principais. Pouco a pouco, os anuários astronômicos passaram a referir-se a eles como “minor planets”, “kleine planeten”, “petites planètes”, .... além da denominação proposta por Herschel.

Com isso, o tipo do movimento deixava de ser o critério único para se classificar um astro como planeta ou não. E a idéia de que os asteróides eram restos um planeta que teria existido entre Marte e  Júpiter era suficiente para explicar as diferenças de maneira simples.

O caso de Plutão

Em 1930 ocorreu um fato novo. Coroando uma exaustiva busca através do céu para descobrir um novo planeta, Tombaugh descobriu Plutão, em uma órbita além da de Netuno. E Plutão foi aclamado como tal. Mas, era Plutão realmente um planeta? O primeiro critério era óbvio. O movimento de Plutão indicava tratar-se de um objeto em órbita ao redor do Sol. O segundo (o tamanho) não chegava a ser contrariado. Plutão era um objeto brilhante e mesmo publicações respeitadas ainda indicavam, na década de 60, que seria um planeta do mesmo tamanho que a Terra. (mas de menor massa e densidade).

As coisas começaram a mudar em 1978, com a descoberta de Caronte, satélite de Plutão, por Christy. O estudo do movimento de Caronte ao redor de Plutão permitiu determinar que a massa de Plutão é apenas dois milésimos da massa da Terra. Mais tarde, o estudo das passagens de Caronte na frente de Plutão permitiram determinar o diâmetro de Plutão: 2274 km. Plutão é maior do que os asteróides, mas bem menor do que a Lua, cujo diâmetro é de 3476 km. Harrington, o astrônomo que fez a primeira determinação moderna da massa de Plutão, em um workshop sobre statélites naturais apresentou sua fala sob o título: "Plutão, asteróide 1930EX ou cometa P/Tombaugh ". O título exato que ele usou se perdeu, mas a idéia era dizer que, dada sua pequena massa e os gelos que recobrem sua superfície, Plutão poderia muito bem ser classificado como sendo um grande asteróide ou um cometa. (Plutão certamente viria a apresentar uma atividade de tipo cometário, se se aproximasse mais do Sol de modo a permitir uma taxa elevada de sublimação dos gelos que o compõem.)


Como continuar chamando Plutão de planeta?

Essa discussão teve início em seguida, com altos e baixos de intensidade (ver Boletim da Sociedade Astronômica Brasileira, vol. 18, pp. 39-42, 1999). Afinal, chamar Plutão de planeta não causava danos a ninguém e, continuar a chamá-lo de planeta evitava semear confusão entre os estudantes e professores de todo o mundo de maneira desnecessária. Essa foi a opinião que prevaleceu da última vez que se tentou mudar o seu status


As novas descobertas e a controvérsia que elas geraram

Os novos meios de observação astronômica trouxeram novas descobertas e um dos objetos recem descobertos em órbita além da órbita de Netuno, Eris (que teve a denominação provisória 2003 UB313 e foi, não oficialmente, chamado de Xena), tem um diâmetro maior que o de Plutão (2400 km).Outros como 2003 EL 61, 2005 FY 9 e Sedna são menores do que Plutão, mas tem diâmetros bem acima de 1000 km. Com isto fica claro que a história de Ceres se repete. O que aparentou ser, inicialmente, um planeta com os demais, se revela como sendo apenas o membro mais importante de uma familia de objetos menores, resíduos da formação planetária que não chegaram a se conglomerar para constituir um corpo maior.

Isso fez esquentar a controvérsia e alguns pontos de vista foram discutidos de maneira  acalorada. A pressão para evitar que Plutão deixasse de ser considerado como um planeta foi mais política do que científica. Os comités que deveriam propor uma decisão à União Astronômica Internacional deixaram-se convencer por argumentos heurísticos favoráveis à manutenção do status de Plutão como planeta. Mas se Plutão é planeta, Eris também o é. Como o serão todos os grandes objetos que se espera descobrir além da órbita de Netuno e dos quais os acima mencionados são apenas a ponta do iceberg. Mas como encontrar um critério que diga que Plutão é um planeta mas exclua dessa categoria os demais. Foi necessário encontrar uma definição “recortada” para incluir um e excluir outros, e isso foi feito ignorando a maneira como se formaram os corpos do Sistema Solar.

A proposta do comitê oficial foi a seguinte: Um planeta é um corpo celeste que satisfaz ao requisitos (a) e (b) da definição agora adotada. Essa definição tinha diversos outros pormenores, como a classificação de Caronte como planeta e não como satélite, que não serão aqui discutidos. Nessa proposta Ceres recuperaria o seu status de planeta (perdido no século 19), Caronte passaria a ser um planeta também (o sistema Pluão-Caronte apareceria como um planeta duplo) e Eris seria o décimo-segundo planeta. Além disso passavam a ser considerados como candidatos a planetas os objetos trans- netunianos 2003 EL61, 2005 FY9, Sedna, Orcus, Quaoar, Varuna, 2002 TX 300, Ixion, 2002 AW 197 e os asteróides Vesta, Pallas e Hygiea (seriam considerados planetas a partir do momento em que se confirmasse que eles satisfaziam à condição (b) da definição agora adotada).

A pletora de novos planetas da proposta “oficial” desagradou a muitos e uma proposta alternativa encabeçada por especialistas na Dinâmica do Sistema Solar ganhou o apoio dos astrônomos presentes à Assembléia Geral da União Astronômica Internacional, em Praga. Ela incluiu o ítem (c) da definição aprovada. A UAI aprovou também que os corpos que satisfaçam aos requisitos (a) e (b), mas não ao requisito (c) possam ser chamados planetas anões.

A adoção de uma definição não significa que a discussão acabou! A União Astronômica Internacional não tem poder legal para impor uma definição e os descontentes com a nova definição terão todo o direito de buscar novos argumentos para uma definição que os agrade.. Mas é de todo conveniente acatar a orientação representada pela resolução aprovada pela UAI   para que um padrão comum seja adotado pelos livros didáticos e transmitido aos mais jovens e que o período de transição se encerre. A Lua já foi chamada planeta e não o é mais. Os asteróides já foram chamados planetas e não mais o são. Agora é a vez de Plutão, que foi chamado planeta por quase 80 anos, mas que agora passa a ser o planeta anão de número 134340 (até segunda ordem, os planetas anões continuam sendo catalogados junto com os asteróides e por isso o número tão grande). Os nomes que usamos na ciência tem que se adaptar às novas realidades que descobrimos. Uma das maravilhas da ciência é que ela não se pretende definitiva. Na definição de Popper, o que qualifica a ciência é o fato de que todas as suas leis estão sujeitas a ser contrariadas por resultados novos. Sem exceção!

Os planetas extra-solares

A resolução aprovada refere-se apenas os planetas do nosso Sistema Solar. Para se aplicar aos planetas que tem sido descobertos ao redor de outras estrelas, os chamados exoplanetas, um ítem adicional seria necessário: que náo exista um processo nuclear de geração de energia no seu interior. Com efeito, se no seu processo de crescimento um planeta atinge uma massa igual a 13 vezes a massa de Júpiter, a densidade, temperatura e pressão no seu centro ficam suficientemente grandes para que ocorra a fusão nuclear do deutério lá existente. Embora essa reação se mantenha apenas enquanto houver deutério (que existe em muito pequena quantidade) para queimar no interior do planeta e não seja suficiente para criar as condições necessárias para a ocorrência de uma reação em cadeia envolvendo outros elementos, o corpo não é mais considerado como um planeta. De acordo com a nomenclatura aprovada em 2003 pelo grupo de trabalho da UAI sobre planetas extra-solares, a partir desse limite o corpo é uma anã marrom.

Mas uma descoberta recente ameaça equentar essa discussão. A estrela anã vermelha CHRX 73, observada pelo telescópio Hubble, revelou a existência de um "planeta" de massa igual a 12 vezes a massa de Júpiter,  a 200 UA da estrela. (1 UA é a distância da Terra ao Sol). Nessa distância, é mais provével que o objeto não tenha se formado por acreção em um disco como os planetas e exoplanetas conhecidos, mas resulte do colapso gravitacional de uma nuvem de gas em dois objetos: a estrela e o "planeta". E nesse caso não deveria ser chamado de planeta.