Aos mestres, com (muito) carinho
Capítulo I –
Os primeiros
Meu primeiro
mestre foi meu pai, que me ensinou a ler por volta dos meus 4 ou 5 anos de
idade. Eu não tenho lembranças diretas do fato, apenas me lembro de ficar desenhando
letras com as cascas enroladas de tomate na beira do prato de sopa. Não sei se
é uma lembrança de fato, ou se é uma lembrança do que ouvi contarem os outros
em tempos posteriores. Mas me lembro do sucesso que fazia quando acompanhava
minha mãe às compras na venda ou na quitanda, sendo chamado pelas pessoas a me
exibir lendo as manchetes dos jornais que lá estavam para embrulhar verduras e
frutas.
Mas ele foi
meu mestre também em outras coisas de igual importância. Meu pai (na foto, ca. 1933, mexendo em uma máquina de contabilidade), de nome
Sylvio, como eu – às vezes chamado de Chicão, um
apelido de infância, por uma irmã mais velha – era um exímio mecânico de
máquinas de escrever, de somar e de calcular. As máquinas importadas que
chegavam aqui eram das mais diferentes marcas e procedências; não havia manuais
e peças de reposição. A manutenção das máquinas de escrever e de somar, mais
corriqueiras e mais simples, era feita de maneira rotineira em uma oficina que
alugou na Praça da Sé. As máquinas de calcular, mecânicas ou eletromecânicas
ofereciam problemas maiores. Eram diferentes umas das outras e exigiam maior
concentração. Me lembro de, por vezes, vê-lo chegar em casa com uma dessas
máquinas embaixo do braço e sua mala de ferramentas. Colocava a máquina na mesa
da cozinha e começava a desmontá-la. Abria antes um caderno novo, e começava a
desenhar as miúdas peças que ia tirando, uma a uma, e os locais em que se
encaixavam, com as indicações necessárias para permitir a remontagem. E assim trabalhava,
por horas, até chegar na peça defeituosa. Se fosse apenas um desacerto, bastava
acertar e remontar a máquina. Mas se a peça estivesse quebrada ele a levava
depois à sua oficina para que fosse reparada. Em geral polimentos e uma solda
bastavam, mas não raro o defeito era insanável e exigia substituição. Mas como
peças de reposição faltavam no mercado, ele tinha que fabricá-las com insumos
de fortuna. Depois, remontada a máquina, ela estava novamente pronta para ser
usada. Nesses serões, eu ficava ao lado, assistindo a tudo, apreciando sua
paciência e seu cuidado para remover partes da máquina sem provocar novos
danos. Mas o que eu mais apreciava eram os seus cadernos, que substituíam os
inexistentes manuais de manutenção. Tudo era meticulosamente anotado. Talvez
venha dessas ocasiões, da admiração desse atavismo sefardita,
o aprendizado de focar em um assunto e não perdê-lo de vista até que esteja
resolvido.
Seria
injusto não mencionar minha mãe neste tópico. Filha de imigrantes, ela era
costureira e trabalhava em casa. Isso lhe dava a condição de acompanhar meus
estudos de perto e de me ensinar muitas coisas. Apesar de, como meu pai, ter
completado apenas os anos iniciais do ciclo primário de estudos, era dotada de
muita habilidade e inteligência. Era capaz de fazer uma roupa ou vestido igual
a um que aparecesse, por exemplo, em uma fotografia de revista. Tirava as
medidas do destinatário da roupa, fabricava os moldes, cortava e costurava.
Tudo com perfeição. Eu tive a sorte de viver em um tempo em que os pais se
preocupavam com os filhos conferindo-lhes total prioridade. Ter sido criado por
um pai e uma mãe, juntos e em harmonia, foi fundamental para a boa formação
minha e de meu irmão.
Entre os
primeiros, fora do círculo doméstico, devo citar a Dona Clélia Tobias de
Barros. Professora de primeiro ano na Escola Paulo Setubal,
escola de uma única sala em uma casa da rua Serra da Bocaina, na Quarta Parada.
Baixinha, sempre de saltos altos, sorridente com seus lábios sempre muito
pintados, marcou meus primeiros anos de escola. Me lembro bem da sala de aula,
mas não de fatos lá ocorridos. Mas o importante é a lembrança de que ela fez
com que eu visse a escola como um lugar prazeroso. Ela incutia nos alunos o
prazer de ir à escola. Infelizmente, logo depois abandonou o magistério. Mas eu
continuei a encontrá-la com frequência anos a fio. Morava bem perto de minha
casa em um sobrado da Rua Tobias Barreto e, com sua família, tinha o hábito de
sentar-se à varanda e apreciar o movimento da rua nos fins de semana. E bastava
calhar de passar por lá para encontrá-la.
Capítulo II
– Hipopótamos e Rinocerontes
Hipopótamos
e Rinocerontes. Essas eram as designações que meu professor de matemática no
Ginásio dava às duas metades em que dividia os alunos de uma classe. E promovia
competições! Escrevia um problema no quadro negro e sorteava dois alunos, um de
cada grupo, para resolvê-lo. Aquele que chegasse primeiro ao resultado correto
ganhava um ponto para o seu grupo. A competição entre os dois grupos era acirrada
e nos estimulava a prepararmo-nos com afinco para a justa da próxima aula. Esse
professor mereceria ter seu nome lembrado. Mas lembro-me apenas seu prenome:
Victor. Seu sobrenome, germânico, se perdeu na minha memória e nem a internet
ajudou a encontrá-lo. Aliás é interessante que quando se procura um site de uma
escola na internet consegue-se montes de informações sobre o prédio, os donos,
os diretores, os ex-alunos que se notabilizaram, mas nada sobre os professores.
Na opinião dos organizadores dos sites, os professores não parecem merecem
maior consideração. Victor foi um professor notável e eu aprendi graças a ele,
seus hipopótamos e rinocerontes, as bases da matemática que me serviram para o
resto da vida. Naquele tempo não havia chegado por aqui a chamada matemática
moderna e seus conceitos inúteis para um cidadão comum. Aprender matemática era
aprender a resolver problemas. Um dos livros usados se chamava “Seiscentas
Expressões Fracionárias” e muitas vezes as lições de casa consistiam em
resolver um certo número delas. As do final do livro, os “carroções”, eram
temidas. Expressões fracionárias com dezenas de termos, parênteses, colchetes,
produtos, divisões, frações dentro de frações, etc. Acho que muitos professores
de matemática de hoje não conseguiriam resolvê-las corretamente nem que lhes
fosse dado todo o tempo para fazê-lo.
Não me
lembro de outro professor nesse período que tenha exercido a mesma influência
sobre a minha formação. Muitos foram importantes. Poderia lembrar Miguel Mastrobuono, com quem comecei a aprender Francês – que mais
tarde se tornaria minha segunda língua; do Maestro Miguel Izzo e seu porte
bonachão, professor de canto orfeônico que nos fazia solfejar e que dirigiu uma
opereta em que trabalhei (imaginem, nela um dos atores era ninguém menos do que
o Tarciso Meira). Já no colegial, poderia lembrar de Domingos Marmo, um
severíssimo professor de Português, temido pelos alunos, mas que nos ensinou a
escrever corretamente e que também nos obrigava a ler jornais e a organizar uma
hemeroteca com assuntos que nos interessassem. Lembro de outros, lembro de seus
nomes, mas nenhum que tivesse deixado na minha formação um legado palpável. Nem
mesmo Estanislau Ausenka, um dedicadíssimo professor
de Geometria no primeiro ano colegial. Na falta de bibliografia acessível ele
se dava ao trabalho de mimeografar o texto de suas aulas e distribui-los. Me
lembro que ao final do ano eu tinha um fichário repleto com suas notas de aula.
Ele nos encheu com centenas de teoremas envolvendo retas, triângulos, círculos,
polígonos, poliedros, etc. Pecou por excesso. Mas foi bem melhor assim do que
se tivesse pecado por falta. Não é culpa dele que eu nunca tenha gostado de
Geometria.
Capitulo III
– O Colégio Bandeirantes
Os dois
últimos anos do colégio – atual Ensino Médio – cursei no Colégio Bandeirantes.
A transferência para o Colégio Bandeirantes foi um verdadeiro salto no escuro.
Inicialmente tive a oposição de meus pais. Eles temiam que eu estivesse de
algum modo me afastando dos caminhos que me haviam traçado. Depois consentiram.
Acho que nesse ínterim conversaram com membros da família melhor informados e
viram que a escolha era boa. Mas foi também um salto no escuro porque eu não
tinha recebido nos anos anteriores o preparo necessário para enfrentar um
colégio com o rigor do Bandeirantes. E o meu começo foi trôpego. Rapidamente eu
subi na classe! Subi no mau sentido! As aulas eram em um anfiteatro e eu
rapidamente fui para as últimas filas, as mais altas. Me lembro que um de meus
vizinhos no fundão foi expulso da escola em poucos meses. Quem me salvou foi o
professor João Gomes. Mas vou contar isso devagar. Eu continuava morando na
Quarta Parada e as aulas no Bandeirantes começavam perto das 7 da manhã. Eu
tinha que enfrentar um ônibus até o centro e de lá um bonde que passasse pelo
Paraiso. E tinha que sair cedo pois as porteiras do Brás fechavam para a
passagem dos trens e vezes havia em que assim permaneciam 15 ou 20 minutos. No
inverno, às vezes era ainda noite quando eu saia de casa para ir para a escola.
E num belo dia, eu estava a tirar um bom cochilo durante a aula de Química
Orgânica, quando escutei o severíssimo João Gomes falar em voz alta: “Acordem
aquele moço lá atrás”. Eu acordei, e ele completou “Pegue suas coisas e venha
sentar aqui na frente”, e em seguida, “De hoje em diante eu quero ver o senhor
sempre aqui na frente”. E eu obedeci. Foi a minha redenção. Fui um excelente
aluno de Química Orgânica. Tive dificuldades em alguns pontos até que descobri
que a Química Orgânica seguia regras matemáticas muito claras. E fui aprovado
ao fim do ano com nota bem alta.
A mudança
para as primeiras filas da sala influenciou meu aproveitamento em todas as
matérias. Logrei ser aprovado para a série seguinte com uma única recuperação.
Tive que fazer exames de segunda época em Inglês. Tive muitas dificuldades nas
aulas de revisão de Mecânica. Eu entrei no Bandeirantes para cursar a segunda
série, mas sem saber o que era um vetor (meu professor de Física na primeira
série também não sabia ...).
O outro professor
do Bandeirantes com quem tenho uma dívida mais do que de gratidão foi o João
Eduardo Villalobos, meu professor de filosofia na
terceira série colegial. O Villalobos sabia que não
estava dando aulas para futuros filósofos, mas para futuros profissionais de
áreas científicas. Então pautava seu curso por enfoques dos problemas de
filosofia da ciência com ênfase no livro “Perspectiva Científica” de Bertrand
Russell. Era um curso de grande sucesso. Mas sua influência maior veio de suas
discussões sobre os problemas existenciais que enfrentávamos. Lembro dele com
sarcasmo dizer algo como “Vocês vão ser Engenheiros porque a titia acha
bonito”. Criticava os alunos em geral, dizendo que conheciam apenas três
profissões: Engenheiro, médico e advogado. E que tinham escolhido uma – no caso
da minha turma, engenheiros. Precisavam abrir os olhos para o mundo e ver que
existiam muitas outras carreiras que “as titias não conhecem”, mas que são tão
válidas e importantes quanto as 3 mencionadas. E nos explicou o que se podia
aprender nas Faculdades de Filosofia. Esse foi certamente um fator que
influenciou minha decisão de ir para o curso de Física.
Obviamente,
meus professores de Física no Bandeirantes me influenciaram. Foram eles Israel Rosemberg, Mauro de Oliveira Cezar e Paulo Dias da Silveira
(o então conhecidíssimo PDS). O curso dado pelo Rosemberg
na terceira série foi fundamental, sobretudo pelo livro que adotou. O livro era
a Introdução à Eletricidade e ao Magnetismo, do físico Roberto Salmeron, que eu estudei de cabo a rabo. Um dos meus
mestres virtuais! Foi ele que me levou à leitura de um livro que muito me
influenciou, “O Àtomo”, de Fritz Khan, e à decisão
pela Física.
Vou citar
mais três, dois de Matemática e um de Química: Arnaldo Nora Antunes (pai do
cantor), Carlos Cattony e Silvio Dias da Silveira.
Todos muito presentes na minha lembrança. Poderia citar mais, mas nem sempre me
lembro seus nomes completos como é o caso da Maria Stella, uma fantástica
professora de Literatura. O que aprendi com ela me ajudou a ter uma nota alta
em Português no Vestibular da USP e me classificar em primeiro lugar para o
curso de Física.
Um último
comentário é que quase todos esses professores eram médicos ou engenheiros que
haviam abandonado as profissões a que estavam destinados para se dedicar ao
ensino. Uma discussão recente cercou o restabelecimento no Brasil da
possibilidade de reconhecer o notório saber de profissionais liberais não
diplomados por Faculdades de Filosofia que tenham competência e queiram dedicar-se
ao ensino médio. A reserva de mercado pretendida pelos sindicatos de
licenciados não se justifica. As Faculdade de Filosofia não têm o monopólio do
saber e professores oriundos de outras faculdades podem ter as qualidades
necessárias para um bom desempenho profissional. Aliás, dos meus professores de
Física no colegial, o único que era formado por Faculdade de Filosofia (não
citei o nome dele) não sabia o que era um vetor!
Capítulo IV
– O tio Ary
Ary Ferraz
de Mello era o irmão mais novo do meu pai. Formou-se em Química pela USP, na
Alameda Glette, em 1947 (Na foto de 1943, em um grupo
com o Prof. Rheinboldt em baixo à esquerda. Fonte:
Centro de Memória do Instituto de Química da USP, Gletteanos).
Nos meus
tempos de estudante, ele era professor do curso de Química Industrial do Liceu
Eduardo Prado. Não só foi o grande
incentivador, e não só meu como de outros primos, como muito me ajudou. Estava
sempre disponível para uma aula particular. E ajudou-me a superar a catástrofe
que foi o meu curso de Física no primeiro ano do curso colegial. Adorava
ensinar. Quando eu comecei o Ginásio, ganhei dele um dicionário de
Frances-Português. E na dedicatória ele escreveu: “Não se esqueça que a ciência
é o único caminho que permite ao homem desvendar com certeza as maravilhas que
o cercam”. O dicionário não existe mais, mas a frase continua até hoje na minha
memória. Vale por um livro de filosofia
Foi muito
influenciado pelo Professor Heinrich Rheinboldt, a
quem dedicou seu livro “Introdução à
Análise Mineral Qualitativa”. Seu amor pela Química Analítica nasceu das
aulas de Rheinboldt e eu me lembro de ver em sua casa
suas minuciosas notas de aulas dos cursos daquele professor, que consultava com
frequência preparando suas aulas de Química.
Na década de
50 foi convidado a ingressar na carreira acadêmica na USP, mas optou pela
segurança de sua posição no Liceu Eduardo Prado onde permaneceu até a sua
aposentadoria. Ainda me lembro do casarão da Rua Pamplona em que estava o
laboratório de Química, onde muitas vezes o visitei. Na parte alta de um dos
muros havia uma frase atribuída a Oswaldo Cruz: “Tudo que merece ser feito,
merece ser bem feito”. Outra lição que guardei para o resto da vida!
Capítulo V –
Na USP
Começo por
Abrahão de Moraes que me orientou nos primeiros anos da minha careira. Conheci
Abrahão no Exame Vestibular. Ele era um dos examinadores e no meu exame oral
fez várias perguntas capciosas que creio ter respondido a contento. No segundo
ano de Faculdade foi meu professor de Mecânica Racional. Sua didática era
excepcional, e seu companheirismo também. No intervalo das aulas reunia-se com
os alunos para um café no bar da esquina das ruas Maria Antonia
e Dr. Vila Nova. Dessas conversas de café nasceu um convite para trabalhar como
técnico no Observatório Astronômico e uma relação que durou até o seu prematuro
desaparecimento em 1972. Os principais eventos nesse relacionamento estão
contados nas várias biografias dele que escrevi (e.g. http:
www.astro.iag.usp.br/dinamica/abrahao.html)
Outro
professor que teve uma influência marcante na minha formação foi Omar Catunda.
Tinha uma voz grave monótona e suas aulas não eram fáceis de se acompanhar. Mas
publicou sete apostilas contendo toda a Análise Matemática, que eu li quase
integralmente (uns 80 ou 90 porcento). Depois de formado ainda cursei dele uma
disciplina de especialização sobre Equações Diferenciais Ordinárias. Graças aos
cursos de Abrahão e Catunda, quando fui para a França fazer o meu doutoramento,
meus colegas com frequência me consultavam quando tinham uma dúvida em
matemática ou mecânica.
Meu curso de
Física foi pobre em Física Moderna. Me lembro apenas dos cursos de Física
Teórica (teoria cinética e Relatividade) de Walter de Camargo Schutzer e os cursos da cadeira de Física Superior, de Hans
Stamreich e seus dois assistentes, Oswaldo Sala e
Darwin Bassi, ministrados em um antigo palacete da
Avenida Brigadeiro Luiz Antonio. Eram aulas de Física
Atômica e Molecular, teóricas e práticas, calcadas na velha teoria quântica de
Bohr e Sommerfeld. Esses ensinamentos me foram
bastante úteis quando escrevi o capítulo sobre variáveis ação-ângulo do meu
livro sobre Teoria Canônica de Perturbações. Mas havia carência de professores
em Física Moderna e certamente não ter feito um curso de Mecânica Quântica foi
um handicap que limitou minhas escolhas futuras.
Para
completar meu curso fiz duas disciplinas opcionais. Física Nuclear e
Eletrônica. Um dos professores era o Oscar Sala, chefe do laboratório do
acelerador Van de Graaff onde eu havia estagiado nos
dois primeiros anos de Faculdade, e que só deixei por ter aceito o convite de
mudar-me com armas e bagagens para o Observatório Astronômico. O outro era um
professor do curso de Engenharia, Luis de Queiroz Orsini, com quem já havia trabalhado (como técnico) quando
ele instalou um rádio telescópio no Observatório e quando, em 1957, nos ajudou
a registrar a passagem meridiana dos primeiros satélites artificiais, os sputniks. Era um professor primoroso e deu um curso muito
bom. Pena que longe das minhas opções de carreira.
Outro nome
que me lembro é Rômulo Ribeiro Pieroni. Os alunos não
gostavam dele. Ele era sarcástico e mesmo malcriado. Mas em um tempo de escassa
literatura didática, tinha o cuidado de organizar suas aulas de modo que
pudéssemos ter notas de aula completas e auto-suficientes.
Era um excelente professor.
Outros
mereceriam ser citados, mas fecho a lista com Mario Schemberg
que me deu a possibilidade de trabalhar no Departamento de Física depois que me
formei, e alguns professores da Matemática com quem acabei mantendo boas
relações de amizade: Elza Gomide, Luiz Henrique Jacy Monteiro e Carlos Benjamim de Lyra.
Capítulo VI
– França
Na França o
coletivo superou o individual. Tive alguns bons professores, mas a maior
influência que recebi não foi deles, mas do ambiente. Meu orientador do
doutoramento, Jean Kovalevsky, me acolheu no
laboratório de cálculos do Bureau des Longitudes de
uma maneira excepcional. Quando eu cheguei já tinha uma mesa reservada em uma
sala com outros estudantes, não longe da sua. Tínhamos um contato quotidiano,
muito diferente do que ocorria com a imensa maioria dos estudantes brasileiros
meus contemporâneos, que se queixavam de encontrar o “patron”
apenas uma vez a cada um ou dois meses. E na sala em que eu trabalhava estavam
Bruno Morando e Jean-Louis Sagnier, dois colegas que
tinham uma educação até então desconhecida por mim. Eram dedicadíssimos aos
seus trabalhos, mas não ficavam limitados aos temas do laboratório. Nossas muitas
conversas giravam sobre os mais diversos temas como história, livros, pinturas,
politica, e uma grande ênfase em música. Bruno tocava piano e viola enquanto
Jean-Louis tocava violão, flauta doce e, mais tarde, viola da gamba. Tomei um
banho de educação que me influenciou profundamente. Na Quarta Parada não se
aprendia nada disso!
Naqueles
anos eu era rato de curso e não perdia oportunidades. Além dos cursos de
Astronomia, dados no Institut d’Astrophysique,
o Quartier Latin oferecia
oportunidades mil. Segui cursos e seminários no Institut
de Physique du Globe e no Institut Henri
Poincaré. Pela sua fama, vou destacar o curso de Sistema Dinâmicos dados pelo
matemático russo Vladimir Arnold no IHP. Arnold também deu um seminário no
laboratório em que eu trabalhava, e eu fui chamado a redigir o resumo do
seminário, publicado internamente. Também me deu a honra de assistir a um dos
meus primeiros seminários sobre marés.
Os cursos do
terceiro ciclo de Astronomia, que acompanhei como ouvinte no primeiro ano do
doutoramento, cobriam em grande parte coisas que eu já havia estudado com
Abrahão de Moraes, antes de viajar. As novidades ficaram por conta dos cursos
de Astronomia propriamente ditos do meu orientador Jean Kovalevsky,
e os de Bernard Guinot e Michel Hénon.
De um modo geral os cursos de terceiro ciclo que segui tiveram um caráter muito
conservador e deixaram poucas marcas. Mais tarde, um curso de Relatividade a
que assisti descambou para Geometria Diferencial e de Relatividade mesmo teve
muito pouco. Menos do que eu já sabia pelos cursos seguidos na USP e pelos
livros que precisei estudar para um dos capítulos da minha tese de
doutoramento.
Conclusão
Este
exercício de memória me fez lembrar de muitos fatos e pessoas de minha vida de
estudante. Da alfabetização ao doutoramento. Seria pretencioso repetir a frase de Isaac Newton
que escreveu: “If I have seen further it is by standing on
the shoulders of giants”. Realmente eu sinto ter montado em ombros de gigantes, mas nem por isso
vi mais longe! Mas já me agrada saber que vi muito do que eles viram. E também
tenho a certeza que sem eles nem isso eu teria conseguido ver!
Lembro com muito carinho
de todos eles.
POST SCRIPTUM
1. Me perguntaram quais dos fatos relatados são os mais relevantes. Todos o foram, e o texto especifica em cada caso o porquê. Mas para não deixar sem resposta a pergunta feita, realço três pontos:1) A alfabetização precoce, fundamental para tudo o que veio a seguir; 2) O Colégio Bandeirantes, onde aprendi a trabalhar com seriedade e a gostar de fazê-lo; 3) Os 4.5 anos passados no Bureau des Longitudes e na Universidade de Paris. Viver e trabalhar em Paris nos anos 60 foi uma experiência insubstituível.
2. Destaquei no texto a importância da leitura dos livros de Roberto Salmeron e de Omar Catunda. A eles se seguiram muitos outros: Papapetrou, Siegel, Tisserand, Landau, ... mas destaco os de Rudolf Kurth integralmente lidos e digeridos (cadernos repletos de notas ainda estão nas minhas coisas). Kurth, então professor da Universidade de Manchester, deve ser reconhecido com um de meus mestres, ainda que jamais o tenha encontrado. O primeiro livro dele que li, logo depois de formado, foi Introduction to the Mechanics of the Solar System. Descobri muitos pequenos erros e enviei-lhe a lista de correções. Ele agradeceu e me convidou para ir trabalhar com ele. Não aceitei. Meus planos eram outros. Depois me pediu para ler as provas tipográficas de seu novo livro, Introduction to Stellar Statistics, convite que aceitei e que rendeu dois cadernos de anotações. Nesse livro aprendi a estatística que me foi tão útil nos trabalhos com dados observacionais.